"Queer as Folk" (2022), de Russel T. Davies
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7.9

Onde: Starz Play

 

Em 1999, a rede de TV britânica Channel 4 estreou ‘Queer As Folk’, uma série criada pela roteirista Russell T. Davies que contava a vida de 3 homens gays em Manchester e que durou 2 temporadas. Ela deu origem, no ano seguinte, a uma versão passada na Pensilvânia, que durou 6 anos e foi precursora ao retratar a primeira cena de sexo gay da TV americana. Agora, 17 anos após o fim, o serviço de streaming Peacock, da NBC, estreou uma nova e atualizada versão, que, apesar de dividir o mesmo nome e alguns elementos que prestam homenagem ao texto original, traz novos personagens e histórias.

De cara, a nova versão do seriado deixa claro que vivemos em um mundo bem diferente daquele deixado em 2005. A diversidade presente nos personagens e no elenco é sua melhor qualidade: além de homens gays e mulheres lésbicas, dessa vez alguns dos personagens centrais incluem uma professora trans, dois portadores de deficiência e uma variedade de etnias que estava completamente ausente nas duas versões originais. É definitivamente o seu ponto alto, ao mostrar as diferenças e semelhanças das experiências de pessoas tão plurais que compõem a comunidade LGBT+.

A história foca em Brody, que abandona a faculdade de medicina e retorna à sua terra natal, e sua melhor amiga, Ruth, uma professora trans prestes a virar mãe, junto com a namorada Shar, de gêmeos concebidos por uma barriga solidária. Juntando-se a eles estão diversos outros personagens ligados primeiramente a Brody – um adolescente que se apaixona por ele, o irmão que tem paralisia cerebral, a mãe rica e infeliz no casamento, o ex-namorado viciado em drogas, e frequentadores da Babylon, sua balada preferida. Um tiroteio em um dos primeiros episódios faz alusão à tragédia real da boate Pulse, onde um atirador matou e feriu dezenas de pessoas da comunidade LGBT+ em 2016.

Além de conflitos interessantes e da pluralidade de histórias, o elenco é outro ponto forte do programa, cujos mais famosos incluem Kim Cattrall (a Samantha de ‘Sex and the City’), Juliette Lewis (atriz famosa nos anos 90 por ‘Assassinos Por Natureza’ e que está na ótima ‘Yellow Jackets’) e Ryan O’Connell (que fez sucesso com a série ‘Special’, criada por ele para a Netflix). Apesar dos nomes de peso, o elenco parece bem subaproveitado e o roteiro dificilmente traz conflitos que intriguem para que os atores mostrem sua versatilidade.

São dois os problemas centrais dessa versão de ‘Queer As Folk’. O primeiro, o enredo que raramente chega a algum lugar. Os conflitos iniciais são repetidos incansavelmente por toda a temporada, cujo clímax chega apressado nos dois últimos episódios, em que uma sucessão de reviravoltas aparece de forma extremamente forçada e inexplicada. Em sua ânsia por criar momentos inesquecíveis e ganchos que justifiquem uma próxima temporada, os roteiristas deixam uma série de subtramas em aberto e focam o enredo principal em decisões inexplicáveis dos personagens principais.

O outro problema diz respeito justamente a esses personagens – é extremamente difícil criar algum tipo de empatia em que quase todos são absolutamente autocentrados, egoístas e inconsequentes. Aqueles que têm a sorte de escapar da falta de caráter presenteados pelos escritores ficam patinando na superficialidade de serem meros coadjuvantes fazendo escada a outros personagens que beiram o insuportável.

O que poderia ser outro programa precursor para a nova década se torna uma caricatura de si mesmo e das 3 gerações que tenta retratar – ao invés do conflito entre baby boomers, millenials e da Geração Z, a impressão é de que todos são igualmente desinteressantes e incoerentes. ‘Queer As Folk’ não é de todo ruim, e possui momentos interessantes, divertidos e importantes, mas falha ao focar no surpreendente em detrimento da coerência.