"A Missão" (1986), de Roland Joffé
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9.2

Onde: Now e Youtube

 

A beleza singela e visceral, ao mesmo tempo, da produção de Roland Joffé e a musicalidade teatral que nos engole de Ennio Morricone fazem de “A Missão” uma experiência ímpar de imersão em tribos esquecidas e cenários contemplativos e místicos da América do Sul. Fatalmente essa produção deve ter dado um trabalho imenso. Um filme em que um assassino busca o perdão divino ao passo que se castiga com sofrimento e dor em meio a povos indígenas e padres jesuítas.

Infelizmente, a música Oboé de Gabriel, de Ennio Morricone, não levou o Oscar, mas o que ela faz com nossos sentidos é qualquer coisa inesquecível. O maestro mescla na obra, inclusive na abertura do filme, sons indígenas, sons ambientes, notas que evocam o religioso, e que juntos despertariam no espectador um desafio altruísta, uma tarefa missionária a ser cumprida, que provoca também grande dúvida sobre o que veríamos no decorrer da película. Vale dizer que a canção vai se engrandecendo e desmembrando não somente a resiliência do personagem de Robert DeNiro, mas mistérios e destinos incrivelmente duros, frios e penosos daquele sofrido povo guarani.

Então, em meio à beleza tropical argentina, brasileira e paraguaia, no coração das cataratas do Iguaçu, vemos padres espanhóis e portugueses ao lado de guaranis em união e rituais, enquanto somos apresentados a um violento mercador e assassino de indígenas – Mendoza (DeNiro) – que se envolve num horrível crime que o torna prisioneiro.

Eis que o padre Gabriel (Jeremy Irons), responsável pela prisão do lugarejo, leva o agora desolado mercador para que cumprisse missões de ensinamentos jesuíticos junto aos indígenas. Mas qual era o limite da missão? O esgotamento físico e mental de Rodrigo Mendoza passa a ser um desejo que não mais era vindo do padre, e sim do próprio Mendoza, como se aquela penitência o colocaria a cargo de Deus e ele seria punido e recompensado ao mesmo tempo. Uma expiação.

 

Obra atemporal, violência dura de se ver

 

Indicado a 7 Oscars, tendo vencido o de melhor fotografia com Chris Menges, “A missão” se destaca também como obra vencedora da Palma de Ouro (maior prêmio do Festival de Cannes), em 1986. A dramaturgia de Joffé provoca no público uma razoável sensação de piedade, mesmo que seja difícil explicar-nos após testemunharmos o crime de Mendoza. O mercador passa a ser defensor ferrenho e voraz daquele povo indígena.

A equipe de produção foi corajosa e se enfurnou por florestas densas, escuras, ambientes de difíceis acessos. Rolland Joffé e Chris Menges preferiram a realidade crua, molhada de terra e visceral da floresta tropical. Nada de efeitos ou paletas de cores diferentes do que fosse natural. Tudo ilustrando assertivamente a frustração do alto escalão espanhol em saber que seus missionários defendiam e cuidavam dos indígenas considerados povo de “boa vida”. Havia o incômodo e insatisfação devido ao fato de que aqueles guaranis tinham autossuficiência num local que era algo como “paraíso” para o governo explorador da Espanha. 

Mesmo com toda a licença e liberdade histórica para registrar da forma que fez, Joffé consegue êxito ao mostrar o escárnio e exploração com que eram tratados povos tradicionais como aqueles (guaranis) por seus colonizadores. O ar de terror imposto não apenas ao indígena, mas também ao jesuíta, como o Padre Gabriel (por ajudar aquelas tribos), foi tido como assertivo por professores de história. Eles eram alvos de comandos fortemente teocráticos e que sugavam tudo o que podiam de suas colônias.

E então chegamos aos efeitos práticos especificamente das cenas do conflito lancinante entre padres e indígenas versus exploradores. O conflito é de uma maestria formidável em termos de direção. A câmera mostra tudo, Jeremy Irons, DeNiro, as crianças, tudo o que incomoda; fazendo alusão ao genocídio sofrido por essa cultura nativa por anos.

A carta lida no início da película, com o trecho “o paraíso dos pobres nunca é agradável aos que mandam neles”, mostra um recorte ainda muito comum nos dias de hoje. O absurdo desequilíbrio que marcava aqueles conflitos escondidos ganha terreno nos dias atuais. Há uma espécie de proteção à atividade exploradora e desigual e, mais que tudo, buscam algum tipo de legitimação a qualquer custo.