Hannibal Lecter se tornou um dos maiores assassinos da história do cinema ao ser personificado por Anthony Hopkins no filme “O Silêncio dos Inocentes” (1991), vencedor de cinco Oscars (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator para Hopkins, Melhor Atriz e Melhor Roteiro Adaptado).
Porém, uma outra história baseada neste mesmo universo do mais carismático serial killer canibal da história teve duas adaptações para o cinema, uma em 1986 com “Manhunter – Caçador de Assassinos”, e outra com “Dragão Vermelho” em 2002. Ou seja, um antes e outro depois do reconhecimento desse grande personagem pelo público.
“Manhunter – Caçador de Assassinos” foi dirigido pelo hoje prestigiado Michael Mann, o mesmo de “O Informante”, “Fogo Contra Fogo” e “Miami Vice”, e é um filme mais estilizado na sua forma e estética, apostando mais numa linguagem cinematográfica mais sugerida do que mostrada em comparação ao seu filme-irmão “Dragão Vermelho”.
De cara isso é notado nas formas de abordagem sobre o passado entre o protagonista Will Graham em 1986 e 2002. Em “Manhunter”, o passado entre ele (William Petersen) e Lecter (aqui interpretado por Brian Cox) é apenas mencionado no diálogo do primeiro contato entre eles, e o efeito desse reencontro é ilustrado pelo ataque de pânico de Graham descendo as rampas até o lado de fora do instituto psiquiátrico.
Já em “Dragão Vermelho”, o filme se inicia nesse passado entre Lecter (Anthony Hopkins) e Graham (Edward Norton), mostrando o incidente que quase causou a morte de Graham (e o fez se afastar do trabalho policial) e a efetiva prisão de Lecter na época, dando assim mais tempo de tela ao personagem no que na versão anterior.
Por isso no filme de 1986 o personagem Hannibal Lecter (chamado de Hannibal Lektor) é um coadjuvante marcante, mas com peso muito menor do que o Hannibal Lecter do filme de 2002, que além de repetir o oscarizado Anthony Hopkins no papel (com óbvio destaque nas artes promocionais), optou por um formato de cinema de suspense mais associado ao filme de ação.
Outro bom detalhe é a construção do vilão do filme, o psicopata Francis Dolarhyde, em ambos os filmes. Michael Mann, que também escreveu o roteiro, partiu de uma personificação mais realista e palpável, fazendo da figura de Dolarhyde um espelho de sua personalidade, distorcida, bizarra e introspectiva, com uma boa interpretação do gigante Tom Noonan personificando essa figura complexa.
Já em “Dragão Vermelho”, Ratner optou por uma versão mais sensual e com físico esteticamente atraente, mesmo com os mesmos detalhes psicológicos, deixando ao seu intérprete, o ótimo Ralph Fiennes, a transposição dessa composição que fica menos sinérgica com seus problemas do que na sua versão de 1986 (além de também ter mais tempo de tela, o que elimina a personificação do medo de que uma pessoa comum pode ser um psicopata como na interpretação de Noonan).
O protagonista de 1986, interpretado pelo ator William Petersen, também demonstra melhor fisicamente seus traumas e limites durante a investigação, enquanto em 2002 o personagem de Edward Norton apenas está mais loiro, o que também diminui um pouco a profundidade de seu bom personagem, numa abordagem mais preguiçosa.
O desfecho do filme é diferente em ambos os filmes, e é mais um elemento que alarga a diferença da qualidade cinematográfica entre “Manhunter – Caçador de Assassinos” e “Dragão Vermelho”, e isso envolve o peso justo dado à personagem cega Reba, vivida por ótimas atrizes em ambas as versões, Joan Allen e Emily Watson, respectivamente.
Enquanto o filme de 1986 se encerra no clímax da loucura de Dolarhyde após acreditar ter sido traído por Reba, no filme de 2002 opta-se no roteiro de Ted Tally (vencedor do Oscar nessa categoria em “O Silêncio dos Inocentes”) por uma extensão a este momento, para ilustrar de perto todo o risco que a família de Graham realmente corria quando ele volta ao batente para investigar os assassinatos de Dolarhyde.
Esta opção no roteiro do filme de 2002 diminui o peso da questão central da caçada ao assassino a um mero duelo mal construído entre Graham e o assassino, intermediado por um Hannibal Lecter turbinado pela figura construída por Hopkins em “O Silêncio dos Inocentes” – que provavelmente foi o que motivou esse remake confuso – mas sem o mesmo brilho que lhe fez a fama.
O material do universo criado por Thomas Harris na literatura produziu vários filmes de sucesso, e aqui comparamos duas adaptações de um mesmo material, antes e depois da popularização deste mundo de investigação e terror psicológico para justificar seu peso no cinema contemporâneo de gênero.
FICHAS TÉCNICAS
- “MANHUNTER – CAÇADOR DE ASSASINOS” (“Manhunter” – 1986 – EUA – Cor – 120min)
Direção: Michael Mann
Roteiro: Michael Mann, baseado no livro “Red Dragon” de Thomas Harris
Elenco: William Petersen, Kim Greist, Joan Allen, Brian Cox, Dennis Farina, Tom Noonan
Nota: 7,5
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- “DRAGÃO VERMELHO” (“Red Dragon” – 2002 – EUA – Cor – 124min)
De Brett Ratner
Roteiro: Ted Tally, baseado no livro “Red Dragon” de Thomas Harris
Elenco: Anthony Hopkins, Edward Norton, Ralph Fiennes, Harvey Keitel, Emily Watson, Mary-Louise Parker
Nota: 5,5
Onde ver: Amazon Prime Vídeo e GloboPlay