Onde: Cinemas
Para o pequeno Émile (Jules Lefebvre), seu pai é a personificação do sucesso e inteligência e suas histórias são as melhores. A verdade, entretanto, é que seu pai, André Choulans (Benoît Poelvoorde) é um mitomaníaco (pessoa que tem desejo compulsivo de mentir sobre assuntos importantes e triviais, independente da situação) que passa por cima de quaisquer convenções em prol de suas invenções.
O fundo político acentua a profundidade da história, que se passa nos anos 1960, em meio ao conflito entre França e Argélia. O pai é um extremista que apoia a OAS (Organisation Armée Secrète, uma organização clandestina francesa que se opunha à independência da Argélia) e implanta em seu filho ideias conspiratórias para assassinar o presidente Charles de Gaulle.
Desta forma, vemos o menino ser treinado por seu pai para se tornar um grande “soldado” político, treinamento que envolve flexões madrugadas a dentro e manipulação de armas. Extremamente machista, controlador e abusivo, o pai utiliza seu filho como veículo para implantação de seus sonhos e aspirações lunáticas. Tudo é observado aflita e silenciosamente pela mãe de Émile, que também figura como vítima das atitudes abusivas do marido.
O roteiro desenvolve narrativas complexas das três personagens envolvidas, mas opta pelo foco do olhar do menino acerca dos fatos. Conforme a narrativa segue, observamos a transformação de Émile, com a perda de sua inocência e a culminação do choque diante da constatação inevitável da agressividade provinda da loucura de seu pai.
Somado a isso, ainda há o choque do próprio garoto e de seus pais, ao perceberem a gravidade da flexibilidade moral absorvida por Émile. Em uma cena catártica, vemos a realidade atingir de forma fulminante as três personagens e o reflexo das consequências para cada uma. Como resultado, temos um núcleo familiar formado por indivíduos que não reconhecem mais o ponto de vínculo entre eles.
Cenários fechados, como a casa da família, ambientam o universo de exclusão da realidade ao qual estão todos imersos. Filmes antigos são transmitidos na televisão da família de forma ininterrupta, reforçando a ideia de que os mesmos estão presos à uma realidade ultrapassada e inexistente.
Assim, quando as personagens saem desta “concentração”, quase sempre reverberam atitudes e movimentos catastróficos. O enquadramento escolhido segue essa convenção, optando pelo foco nas personagens, ainda que em espaços abertos, reforçando o universo particular das mesmas, inerte à realidade cotidiana.
O premiado e experiente ator Benoît Poelvoorde traz credibilidade a este pai, oscilando de forma fluída pelas diversas camadas emocionais que constituem a personalidade multipolarizada da personagem, mas quem acaba por se destacar é Jules Lefebvre, que de forma madura consegue captar a ruptura forçada da infância.
Por fim, o filme consegue surpreender e prender o espectador justamente através do retrato bem composto acerca da complexidade humana. Vale a experiência.