“CODA” (2021), de Sian Heder
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Com quantos paus se faz um remake? Algumas obras parecem intocáveis. Como o Psicose, de Alfred Hitchcock, por exemplo, que foi refeito por Gus Van Sant em 1998 e chamado de “inexplicável” e “inaceitável”. E a lista de insucessos é imensa. Se pensarmos nos últimos anos, no que alguns chamam de falta de criatividade hollywoodiana, temos Olhos da Justiça, Desejo de Matar, O Vingador do Futuro, A Múmia, Conan, O Bárbaro e vários filmes de terror, baseados em obras japonesas.

Mas nem só de falhas vive a indústria do remake. Scorsese venceu o seu primeiro Oscar com Os Infiltrados, remake de Conflitos Internos, de Hong Kong. O clássico O Enigma de Outro Mundo também entra nessa categoria. Além de outros como Scarface, True Lies, 11 Homens e um Segredo, Bravura Indômita e por aí vai. Todos eles têm uma característica em comum: o talento dos seus diretores.

Eis que no início de 2021, durante o Festival de Sundance, a Apple comprou por 25 milhões de dólares o remake do filme francês A Família Bélier. CODA, escrito e dirigido por Sian Heder, foi o maior valor já pago para um filme americano durante o festival. A produção ainda levou quatro prêmios no festival, entre eles o Grande Prêmio do Júri.

O filme conta a história de Ruby, uma jovem que descobre que quer estudar canto, deixando de lado o negócio da família: a pescaria. Mas há um detalhe: Ruby é a única pessoa não surda da família. É através dela que o pai e o irmão conseguem fazer negócios com compradores e lutar por um ambiente de trabalho melhor. Entretanto, com a ajuda do novo professor de canto, Ruby terá a oportunidade de entrar para uma consagrada escola de música.

A premissa de CODA parece e é simples à primeira vista. O clássico filme de adolescente com o dilema de sair de casa e abandonar a tradição familiar. Mas é no “detalhe” da surdez da família Rossi, que o filme cresce e tem seu maior trunfo. Ao menos 40% do roteiro é em linguagem de sinais e os Rossi são interpretados por atores surdos, entre eles Marlee Matlin, única atriz surda a receber um Oscar. Ela foi responsável direta pela contratação dos outros companheiros, Troy Kotsur e Daniel Durant, chegando a ameaçar sair do projeto quando financiadores do filme torceram o bico para que a produção incluísse atores com deficiência auditiva. Já para interpretar Ruby, Emilia Jones teve que estudar linguagem de sinais por nove meses antes das filmagens.

Os quatro brilham em todas as cenas que estão juntos. Seja no humor das situações envolvendo a surdez e outros comportamentos humanos (Troy Kotsur é incrível e me fez gargalhar uma hora), seja no drama familiar, Sian Heder nunca pesa a mão na produção. CODA parece um retrato filmado daquela situação, tamanha a naturalidade com que os diálogos fluem. É impressionante como em determinado momento do filme, conseguimos ter um leve entendimento do que os Rossi estão tentando dizer um para o outro, mesmo sem entender os sinais. Além disso, conseguimos entender a pressão em cima de Ruby e, ao mesmo tempo, nos comovemos com a fragilidade dos pais perante o mundo fora da casa e do barco.

Sian Heder brilha ainda ao intercalar os dramas do filme sem perder o fio do que quer contar. E são muitos temas: a surdez dos Rossi, o bullying que Ruby sofre, a paixão da jovem por um colega de coral, o irmão mais velho fragilizado pelo cuidado da família, a busca pela valorização do trabalho da família, entre outros. A diretora faz isso tudo com belíssimas imagens, valorizadas (e muito) pela excelente qualidade de imagem e som que a AppleTV+ tem. O serviço da Apple é, sem dúvida, o melhor da atualidade em questões técnicas. O 4K e o Dolby Atmos são facilmente perceptíveis pelo espectador.

E é através da percepção que CODA (sigla em inglês para Filho de Adultos Surdos) vai ganhando o espectador. Vivemos com Ruby dentro de uma casa em que somos iguais a ela e diferentes dos demais. Ficamos desconfortáveis com várias situações ali. E aí a diretora vira o jogo e nos coloca para experimentar o mesmo que o pai e o irmão dentro do ambiente do barco sem a presença de Ruby. Ou então, ela nos tira o prazer de finalmente ouvir Ruby cantar a música que ensaiou, o mesmo que os Rossi sentem no auditório do colégio. Tudo isso para tacar duas bombas emocionais ao final, uma com Ruby e o pai e outra com a família toda.

É no talento, na frente e por trás das câmeras, que CODA vira um dos grandes filmes do ano até aqui. Um talento que faz CODA ser melhor que A Família Bélier. O talento que coloca CODA e Sian Heder na lista dos remakes de sucesso. E se o lobby da Apple vier forte durante o ano, com certeza veremos esse talento e a família Rossi nas premiações.