Como seria um Brasil onde não houvesse mais carnaval e a sociedade fosse ditada pelos valores mais conservadores possíveis, num estado nada laico? O novo filme de Gabriel Mascaro, “Divino Amor” nos propõe essa interessante reflexão, que poderia ser distópica se não fosse tão presente atualmente.
O filme nos traz Joana (Dira Paes), uma escrivã de cartório que usa de sua posição para desmobilizar casais que buscam divórcio. Casada com Danilo (Julio Machado), com quem tem dificuldades de engravidar, ela atrai esses casais em crise para sua igreja Divino Amor para manutenção da família sagrada, até um incidente colocar sua fé em crise.
Mascaro cria um universo ficcional mas que se aproxima muito da realidade recente ao abordar a inserção da religião em questões antes protegidas de ideologia, e usa do fato incidente que faz a história explorar muito bem todo esse universo nas contradições do que é falado e do que é praticado.
Dira Paes está muito bem no papel da abnegada fiel que é confrontada pela realidade imposta frente a tudo que ela crê, e como isso altera seu casamento, seu trabalho e suas relações interpessoais que são muito bem construídas ao longo do filme pelo roteiro.
A fotografia se impõe e cria um universo lúdico, e traz significações em momentos-chave como os rituais dentro da Divino Amor usando um rosa neón que lembram casas noturnas, ou os momentos de batismo e rezas com o uso do branco da pureza, ou as flores cuidadas pelo marido da protagonista, que carregam nas suas cores em cena o humor de seus personagens no momento.
Gabriel Mascaro mais uma vez entrega um filme de muita potência e significação, com equilíbrio narrativo entre estética e diálogos, e dá mais um passo para sua evolução enquanto cineasta, o que o cinema nacional agradece e muito.