Quentin Tarantino é, acima de tudo, um grande contador de histórias. Alguns apontam que o diretor não é tão original assim, sendo mais um reciclador de ideias. Gosto de dizer que ele pega o que há de melhor em referências do cinema, música, TV, literatura e entrega obras com diálogos excelentes, esmero visual e técnico e uma assinatura própria. Tarantino é um apaixonado por cinema. Do faroeste spaghetti aos movimentos acrobáticos dos filmes asiáticos. Do gangster ao épico de guerra. E em “Era uma vez em… Hollywood” ele coloca na tela toda o seu amor pelo cinema americano da década de 60.
O filme funciona como um conto da Hollywood com seus anos dourados de musicais, grandes épicos, Cleópatra, Cidadão Kane, Casablanca, Hitchcock, Marilyn Monroe, Audrey Hepburn, clássicos Disney chegando ao fim e vivendo um hiato antes da chegada da Nova Hollywood de Coppola, Scorsese, Spielberg, De Palma e George Lucas.
Basicamente, acompanhamos o dia a dia do ator Rick Dalton (DiCaprio) e seu dublê e amigo Cliff Booth (Pitt), enquanto eventos paralelos vão acontecendo ao redor: a mudança de Roman Polanski e Sharon Tate (Margot Robbie) para o fatídico endereço na Cielo Drive, o crescimento da “Família Manson” no Barker Ranch, além de diversas referências, que valem a pena serem descobertas ao longo do filme.
Ao contrário de seus filmes anteriores, que o diretor sempre trabalhava com temáticas, como por exemplo a busca por vingança, a história aqui está mais interessada em nos mostrar como Hollywood afeta a vida de Rick e Cliff e seu relacionamento com o sucesso. Dessa forma, “Era uma vez em… Hollywood” contém todas as características de um filme “tarantinesco”, mas soa completamente diferente do que o diretor vinha fazendo.
São duas horas e quarenta minutos de apreciação do talento da dupla principal. Leonardo DiCaprio é fascinante ao interpretar Rick e ao interpretar os personagens de Rick. Preste atenção na cena do bar em que seu personagem está gravando com o personagem de Timothy Olyphant. O ator coloca em cena três interpretações diferentes ao mesmo tempo: Rick, o personagem de Rick e o personagem em uma segunda tentativa de gravação. É um trabalho fantástico, que ainda conta com ataques histéricos hilários. Assim como DiCaprio, Brad Pitt rouba todos os momentos que aparece. Cliff é o carisma do filme e a personificação do que imaginamos da Califórnia.
Entretanto, há alguns poréns na obra, quase sempre envolvendo personagens reais da trama. A começar pelo papel de Margot Robbie no filme. O carisma da atriz enche a tela em todas as cenas que sua personagem, Sharon Tate, aparece e isso é fato. Mas quase todas as suas cenas são exatamente isso. Deleites da beleza da atriz e um aviso do que está escrito (e já sabemos disso) em sua história. Apenas uma cena escapa dessa constante e, aí sim, nos aproximamos mais de Tate.
Outra situação que soa desconfortável é a caricatura que Tarantino faz de pessoas como Steve McQueen, um dos maiores nomes do cinema, mas principalmente de Bruce Lee. O ator teve participação importante na vida de Polanski e Tate, além de tudo que representou ao povo asiático, ao cinema oriental e artes marciais. Aqui, se resume à uma gag para mostrar o quão Cliff pode ser forte e perigoso. Tarantino reproduz em cena todo o estereótipo e preconceito da Hollywood da época (e de agora), mas não de uma forma narrativa, apenas para fazer graça.
“Era uma vez em… Hollywood” é o trabalho mais pé no chão de Tarantino. De longe o mais amadurecido e também um dos mais apaixonados. O diretor filma Hollywood com amor, com recriações de letreiros, de ruas inteiras e de uma época. É uma experiência imersiva até na cena pós-crédito (sim, fique assistindo os créditos). Até a catarse de sempre é mais comedida e mesmo assim, uma das melhores já feitas pelo diretor.
Estética, diálogos, grandes atores (e eles vão sendo enfileirados em diversas pequenas participações), subversão, catarse… o que mais esperar de Tarantino? Bom, que a promessa dele de se aposentar no 10º filme não seja verdade. Só teremos mais um, caso seja.
Ah, e aquele filme de Star Trek, por favor.