Onde: Cinemas
O que esperamos ao contar nossas histórias para outras pessoas? Um comentário, uma crítica, um afago, um silêncio… A lista de possíveis expectativas para esse laço de intimidade poderia encher uma página toda. O mesmo acontece com os filmes. Os realizadores querem algum retorno do espectador.
George Miller recebeu isso há sete anos ao causar o maior barulho (dentro e fora da tela) com Mad Max: Estrada da Fúria. Considerado um dos melhores filmes da última década, o quarto filme com Max Rockatansky trouxe uma história simples com ação e visual arrebatadores.
A expectativa para o novo projeto do diretor era alta.
Em Era uma vez um Gênio (Three Thousand Years of Longing, no original), o diretor e roteirista (aqui ao lado de Augusta Gore) conta a história de Alithea, uma solitária narratologista (ou seria narratóloga?), interpretada por Tilda Swinton, que durante uma viagem para Istambul descobre um Djinn (Idris Elba), os famosos gênios da lâmpada no folclore árabe. Como de praxe nas histórias com esse tipo de ser fantástico, ele informa que ela tem direito a três desejos. Entretanto, a curiosidade de Alithea sobre a criatura é maior do que a vontade de pedir algo. Da mesma forma, basta uma faísca da curiosidade dela para o gênio querer contar as histórias dos seus três mil anos de reclusão na garrafa.
A paixão de Miller por histórias fantásticas pôde ser vista no futuro pós-apocalíptico de Mad Max, que vai de uma trama simples de vingança, passa pelo cavaleiro solitário, jovens vs Tina Turner e termina em um violento espetáculo à la Cirque du Soleil. Mas esse fascínio também está em obras como os dois Happy Feet e no roteiro de Babe: Um Porquinho Atrapalhado, que Miller dirigiu a continuação.
Em Era uma vez um Gênio, o diretor utiliza da fantasia de mitos para contar uma história sobre solidão e solitude. Enquanto o Djinn vive a solidão de ser exilado após perder a mulher que amava e passar milênios sem conseguir concretizar sua missão, Alithea prefere se isolar do mundo, do amor – já que perdeu uma vez no passado – e vive para estudar e conhecer as histórias do mundo e aquelas contadas pelos povos que nele vivem.
A dinâmica entre Tilda Swinton e Idris Elba é um dos grandes acertos do filme. Ele acaba tendo mais espaço dentro da trama, já que as histórias que conta tomam grande parte do tempo. Entretanto, é o encanto de Alithea por tudo aquilo que acaba dando mais força para a jornada do gênio. Swinton entrega mais uma daquelas personagens que mesclam o cômico com o drama, papel que já faz de olho fechado nos filmes de Wes Anderson, por exemplo. Já Idris Elba exibe toda sua fisicalidade e o charme shakespeariano para dar vida a criatura.
Se a história do filme não é algo tão incrível ou original, o próprio Aladdin da Disney (o desenho) está aí para provar, é mais uma vez no visual que George Miller arrebata o espectador. A câmera do cinematógrafo John Seale passeia da mesma forma por ambientes minúsculos como um carro ou um banheiro e pelos maiores como os salões do castelo de Sheba. Aliás, toda a cena da primeira aparição do gênio é impecável, com planos longos, a câmera passando na frente de espelhos, escondendo a criatura e focando no rosto maravilhado de Alithea. Miller ainda brinca com os elementos que compõe a história, como a garrafa do gênio, colocando o espectador para acompanhá-la no fundo do mar, na barriga de um peixe, presa em um muro de pedras e em uma revista de raio-x no aeroporto. É um trabalho técnico quase impecável, que só esbarra em uma cena quase imperdoável de fundo verde logo no início da história.
Dentro da lâmpada
O filme tem alguns problemas de roteiro, como as visões da personagem no início da trama que ficam perdidas por ali. Outras, como a discussão entre magia e ciência, acabam perdendo força, já que o foco da história está no preenchimento dos vazios de ambos os protagonistas. Quando Miller tenta contar esse lado da modernidade, já no fim do filme, mostrando que a tecnologia acaba tirando a magia do nosso mundo, a história perde ritmo e nunca conclui satisfatoriamente essa discussão.
Esse fechamento seria ótimo para dar mais peso ao conto de Era uma vez um Gênio, balanceando passado, presente e futuro. Em um mundo em que cada vez mais vemos heróis e mitos sendo reduzidos aos méritos da engenharia, da genética, da medicina e perdendo toda a graça das grandes jornadas que os acompanhavam desde a antiguidade, deixar um pouco mais de tempo para essa discussão seria algo interessante para a jornada do gênio, de Alithea e até de George Miller.
Principalmente se pensarmos que o diretor ficou a um passo de filmar nada mais e nada menos do que Liga da Justiça. Projeto que acabou cancelado pela Warner devido ao sucesso da visão moderna e realista de Christopher Nolan para o Batman, tendência que ditaria o futuro do cinema “fantástico” de mitos e heróis.