(CONTÉM SPOILER)
Charlie Kaufman costuma produzir cosmologias próprias para suas histórias, que geralmente não prezam pela linearidade ou pela superficialidade. Ele mergulha fundo nas questões filosóficas sobre relacionamento humana e da vida como um todo, já tendo viajado sobre as percepções de relacionamento, criatividade humana, memória ou mesmo relacionamentos.
Em “Estou Pensando em Acabar com Tudo” Kaufman tergiversa sobre projeções de vida que nos levam ao imobilismo, o eterno vislumbrar engessado pelo nosso próprio subconsciente. Na primeira cena já temos um vislumbre do que o filme se trata e como a suposta protagonista é na verdade nosso veículo para dentro da complexidade de um homem introspectivo, infeliz e tóxico – e esta última qualidade não faz, necessariamente, uma pessoa ruim, e sim apenas uma pessoa que errou – ou que erra, dependendo da perspectiva.
Não é à toa que a proporção de tela escolhida por Kaufman para a sua encenação seja a 4:3, é como se a memória fosse um filme antigo passando pelo subconsciente do protagonista, um filme triste e claustrofóbico rodeado de frio e deslocado do resto, como a fazenda ou a escola cercada por uma intensa nevasca. O filme-lembrança inclusive é contado de um fim de tarde com uma leve neve contornando o que seria uma viagem romântica para uma depressiva e soturna viagem de volta sem se enxergar muito para além do carro daquele casal.
A casa enquanto representatividade da integralidade do protagonista ontem, hoje e amanhã, com sua bagagem da infância, seu “porão” de sonhos esquecidos, a figura freudiana da mãe ali na presença, na reação física ao seu contato e nos aposentos e itens sempre sendo relacionados de uma forma um tanto materna, a casa explica cinematograficamente tudo o que Kaufman quer expor e debater, para o espectador descobrir (ou talvez se auto-descobrir, afinal o cinema não deixa de ser um sonho projetado numa tela, e o sonho a manifestação do nosso subconsciente em forma de lembranças rápidas).
O filme cuida muito bem de todos os detalhes, do ótimo casting do seu elenco de atrizes e atores (todos excelentes) ao design de produção fabuloso e milimetricamente imaginado pelo seu criador, onde o uso da montagem é muito bem executado enquanto manifestador da inquietude e demência das lembranças de um idoso amargurado e rancoroso, mas que no fundo apenas sonhou demais acordado e não viu sua vida passar.