Avaliação Hybrido
10Nota do Autor
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9.4

“Banshees of Inisherin” pode ser encarado como um complemento ou uma redenção de seu filme anterior, “Très Anúncios Para Um Crime” (2017), ao tratar da mesma problemática do efeito do rancor e da incomunicabilidade trazida por esse sentimento sob óticas diferentes. Se no filme anterior tal contexto se concentrava na figura de sua protagonista buscando justiça à sua filha assassinada, aqui em “Banshees of Inisherin” se trata de um rompimento unilateral de uma amizade entre dois habitantes de uma pequena ilha irlandesa que causam crescentes consequências pela simples incapacidade de se comunicarem.

O tema do “ambiente transformar o homem” não é novo, mas aqui as pessoas desse vilarejo de Inisherin são as verdadeiras ilhas dentro daquela ilha, e este perfil do cidadão desta cidadezinha é bem ilustrado por personagens em diferentes gerações, mas que carregam o mesmo peso de viver aquela vida parada e morosa, onde o tempo passa sem grandes mudanças ou evoluções (a ponto, de uma forma irônica, McDonagh caracterizar uma dona de mercearia como alguém que valoriza seus clientes pelo perfil de novidade que ele traz aos seus ouvidos).

A característica sarcástica e sem papas na língua dos textos da filmografia de McDonagh ganha aqui a estética arcaica da língua falada da Irlanda em tempos antigos (devidamente premiada no último Festival de Veneza), mas seu grande epicentro é a solidão enquanto efeito dessa incomunicabilidade causada pelo rancor e mágoa crescente, a ponto de alcançar reações viscerais escancaradas enquanto materialização das limitações daqueles homens perante seus próprios sentimentos.

O clássico personagem abobalhado dos filmes de McDonagh volta novamente à pele do ator Colin Farrell (também premiado no último Festival de Veneza), que já foi premiado por personagem semelhante em “Na Mira do Chefe” e aqui evolui para um protagonista limitado mas de contornos claramente humanos em suas qualidades e defeitos, diferente do mesmo perfil de personagem de “Três Anúncios Para Um Crime”, interpretado por Sam Rockwell com defeitos mais intoleráveis para angariar simpatia como este protagonista de Farrell consegue em “Banshees of Inisherin”, em grande troca com Brendan Gleeson como seu rancoroso ex-amigo.

A figura da irmã do protagonista, interpretada por Kerry Condon, é um respiro nessa cadeia de desavenças, como uma mulher igualmente vítima daquela pequena comunidade mas que enxerga uma saída frente àquele universo pesado através da leitura e das tentativas de composição daquela lógica recorrente de Inisherin que afeta seu irmão e seu ex-amigo, e toda a encenação de McDonagh dá ares de fábula à narrativa, especialmente pontuada na trilha sonora de Carter Burwell ao longo do filme e na fotografia bucólica da ilha através da lente de Ben Davis.