O SURPREENDENTE "BOA SORTE, LÉO GRANDE"
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“Boa Sorte, Leo Grande” é o título do filme. Emma Thompson e Daryl McCormack sentados aos pés de uma cama de hotel é o cartaz. Com título e imagem à cabeça, você poderia facilmente ignorar este filme (pre)sumindo se tratar de mais uma comédia romântica descartável. Seria de fato lamentável.

Em resumo, o filme conta a história de uma professora aposentada que, após se tornar viúva, decide contratar um profissional do sexo para realizar todos os desejos e fantasias aos quais se absteve no decorrer de sua vida.

Dois atores ótimos, uma locação e um roteiro extremamente potente. É o ponto de início de uma fascinante jornada psicológica e cinematográfica na qual são discutidos temas como o prazer e liberdade sexual, democracia dos corpos femininos, auto conhecimento, aceitação – de si e de outros, envelhecimento, parâmetros impostos e encrostados por uma sociedade patriarcal, e o debate de tais tópicos através da empatia, acolhimento, humanidade.

A personagem de Emma Thompson prepara uma lista de coisas que deseja realizar sexualmente e que nunca teve a oportunidade de fazer, por conta de regras e convenções impostas a corpos femininos, regulados historicamente por uma sociedade machista, e as quais se submeteu e até mesmo reverberou para suas próprias estudantes, num claro movimento cíclico de perpetuação de ensinamentos patriarcais, que são enraizados em nossa sociedade.

Agora, já mais velha, viúva, com os filhos criados – com suas “obrigações femininas” cumpridas, se vê liberta para atender aos seus próprios anseios.

Durante essa jornada de transformação, ela tem de lidar com a superação de seu próprio ressentimento, de ter trilhado caminhos que não eram de sua íntima vontade, desde a adolescência, passando por seu casamento e criação de seus filhos. E ainda, lidar com seu próprio corpo, com a dicotomia da tentativa de recuperação de uma potência feminina que lhe foi roubada – a qual ela relaciona com a juventude – e a descoberta de que tal potência, ao contrário do que é pintado por nossa sociedade, não se esvai com a idade.

Através do outro, ela ressignifica o conhecimento sobre si mesma. O outro, um garoto de programa extremamente lindo, calmo e com disponibilidade e poder de escuta absoluto. Daryl McCormack transita sábia e fluidamente pelo conflito da confiança necessária ao profissional do sexo e a luta interna da personagem com suas próprias questões existenciais, humanas, que apesar de aparentemente domadas, são provocadas pelos questionamentos sinceros da personagem de Emma Thompson.

Um parênteses imprescindível a se fazer é que o filme foca no ator como artista da obra. Com tantos avanços cinematográficos/tecnológicos, a construção do trabalho dos atores diante do texto proposto é a premissa da originalidade deste filme. A potência do texto só se dá por conta do jogo cênico entre a dupla de protagonistas. E desde as escolhas de enquadramento, do posicionamento de câmera à edição, tudo conflui para valorização dos atores, como viabilizadores do discurso.

Dito isso, o filme culmina em uma cena catártica, muito repercutida pela mídia, na qual a personagem de Emma Thompson observa seu corpo nu. É a nudez simbólica da liberdade, tanto corporal quanto sentimental, o que me faz concluir que “Boa Sorte, Leo Grande” é um filme que navega pela comicidade dramática sem, contudo, abrir mão da profundidade de seu discurso. Uma surpreendente e imperdível surpresa.