“Aqui só deviam pagar quando ganhamos!”, dizia rispidamente Heleno de Freitas num vestiário, após uma partida do Botafogo. E ele emendava, ainda mais severo: “Meu Botafogo não é lugar de covardes!”. O diretor José Henrique Fonseca faz um excelente trabalho ao arrancar do ator Rodrigo Santoro uma de suas maiores atuações da carreira, talvez a maior.
Santoro – um brilhante Heleno e também produtor da obra – esbraveja de maneira explosiva as tais frases citadas acima. O filme não vai de maneira frequente ao campo de futebol. Está além disso. Fonseca nos brinda com a história intensa do muito explosivo jogador de futebol Heleno de Freitas. Fosse nos dias de hoje, certamente estamparia os jornais não apenas pela sua entrega com raça ao futebol, mas pelo que fazia fora das quatro linhas.
Mesmo tendo exercido ótimos personagens em “Bicho de Sete Cabeças” (2000) e “Carandiru” (2003), Rodrigo Santoro ganha aqui também um gigante destaque na mídia internacional. A baita transformação pela qual passou Heleno de Freitas, com sentimentos explosivos até chegar à esquizofrenia, é a espécie de papel que bons atores almejam. Diversos tipos de personalidades em tela. E Santoro desfila por elas com classe, de fato se transformando como aconteceu com Heleno. Inclusive no final da vida do jogador.
Santoro disse ter encarnado o gênio de Heleno inclusive fora dos estúdios. O que facilitava a vida do diretor Fonseca. De modelo, galã e esbelto até chegar à aparência esquálida, seca e 17 quilos a menos, Santoro emocionou. Ganhou aplausos. Mostrou com doçura a doença (Sífilis) de um dos maiores ídolos da seleção brasileira e do Botafogo.
Baseado no livro do jornalista e escritor Marcos Eduardo Neves “Nunca houve um homem como Heleno” (2006), contando também com maravilhosa fotografia de Walter Carvalho, a obra nos oferece uma imagem intimista de um Rio de Janeiro da década de 40. De maneira precisa, José Henrique Fonseca optou por um preto e branco singelo e soube recriar – com muita pesquisa em arquivos e com uma belíssima montagem – uma cidade que ainda mantinha algum aspecto bucólico à época. Destaque para a chegada a uma das praias do bairro do Recreio dos Bandeirantes. Em nada lembra os dias de hoje. Aqui o texto de Neves contribui para tal ambientação devido à riqueza de detalhes em suas páginas traduzindo os locais frequentados por Heleno. Mais um destaque evidente: o tão-frequentado-por-Heleno hotel Copacabana Palace e a praia à sua frente. De novo, mais um mergulho certeiro ao Rio de 40.
A trama acompanha – à base de muita câmera subjetiva – a vida completamente curiosa e conturbada do astro Heleno. Um sujeito de personalidade ímpar. Sucesso das capas de jornais por muito tempo entre os anos de 1937 e 1950. Era estrela da seleção brasileira e um dos maiores nomes para as Copas do Mundo de 1942 e 1946. Sequer existiram estas copas. Infelizmente a 2ª guerra mundial impediu que o intempestivo gênio pudesse trazer nosso primeiro título.
O jogador viveu intensamente e de maneira um tanto frenética. A película mostra a vida de luxúria do craque, suas baladas, sua boemia, seus libertinos romances, os vícios com entorpecentes e com bebidas. Em contraponto, sua paixão pelo Botafogo era algo fora do comum. A entrega em campo era exaustiva, digna de mexer com brios. Heleno chegou a 204 gols pelo alvinegro carioca e a 18 pelo escrete nacional.
A arrogância do excelente jogador era tão imensa que ele por inúmeras vezes estava envolto a atritos com colegas de equipe e com dirigentes do clube. Ele – polêmico sempre – pensava deliberadamente ser melhor que os outros. Com isso, muitas vezes ignorava comandos técnicos e não treinava. Tamanha explosão teve seu triste fim com a chegada da sífilis e uma fatal queda livre em sua vida, chegando à esquizofrenia e indo parar num sanatório em Barbacena-MG. Morre cedo demais aos 39 anos.
A narrativa fica um tanto monótona no terceiro ato. O diretor perde um pouco o controle do roteiro. Mas a obra ganha um peso com um elemento narrativo: a atuação final de Rodrigo Santoro. Neste terceiro ato do filme, Santoro domina a tela. É aqui que ele está esquálido. Aqui é a parte que toca. Foram 17 quilos perdidos para um excelente trabalho que me fez ter um respeito e admiração muito grande ao ator.
Vascaíno de coração, Santoro disse em várias entrevistas ter conquistado um carinho gigante pelo Botafogo. Mesmo com tudo que se passava ao redor de Heleno, faz bem ao futebol ver jogadores de entrega e arrojo. O craque, que por muitas vezes bradou escancaradamente que o Botafogo era sua vida, repetia a quem não se dedicava em campo: “Eu serei lembrado, vocês não”.