O cinema do argentino Gaspar Noé é original, experimental e autoral, e aqui em “Irreversível” não foi diferente. Experiências polêmicas testadas a fio e caminhando juntas com o espectador como objeto. Neste caso, Noé realiza um ensaio sobre como a violência e a destruição do ser humano são inerentes a ele. E funciona bem. Aqui, ele começa o filme com uma frase invertida: “o tempo destrói tudo”. E então nos mostra sua brutalidade visual extremamente gráfica.
As reações à sua obra são praticamente imediatas. Sensorialmente perfeito, como ele buscava. Em Cannes (2002), muitos jornalistas saíram das salas de exibição no meio do filme. Antes de falar da trama, é imprescindível pontuar ligeiramente os dois spoilers mais famosos desta produção. É arte, ativa gatilhos fatalmente e incomodaria um desavisado. Duas cenas viscerais: um esfacelamento de cabeça com um extintor e um estupro que dura 12 minutos em tela.
O diretor apresenta o seu filme com cronologia inversa. Consequências surgindo antes das causas. Então acompanhamos a noite aterrorizante de Alex (Monica Bellucci, formidável), seu namorado Marcus (Vincent Cassel, os dois eram casados à época) e o amigo Pierre (Albert Dupontel). Ela foi estuprada ao sair de uma festa. Marcus e Pierre correm por Paris atrás do bandido, pagando a dois marginais por ajuda nessa caçada frenética. A vingança se torna a coisa mais importante neste momento.
Ao contar de trás pra frente, Noé nos arremessa para toda maldade que veio após o estupro, provocando um caos no espectador devido à sua trilha sonora. O sentido de desordem vem da câmera agitada, das cores mais escuras e tons de neon, dos efeitos práticos, além do incômodo som que cobre as cenas do espancamento e do estupro.
A dramaturgia de Gaspar Noé é lancinante acerca do comportamento humano, ao expor o tempo engolindo nossas atitudes, sobretudo ao destacar as lascivas ações masculinas. A perversa cena do estupro tem 12 doloridos minutos e é dirigida pela própria Monica Bellucci, colocando o espectador no voyeurismo vil de um dos crimes mais absurdos da humanidade. Noé consegue despertar nosso pior ser. Ao final da obra, a câmera se acalma e o que se observa é uma bela amizade do trio, mas tudo o que vimos e “fizemos” vai ser sempre irreversível.