Onde: Cinemas e Netflix (janeiro 2022)
Pedro Almodóvar, sempre artístico e profundo, traz aqui mais uma obra intimista e ainda original em sua carreira. Sua parceria com Penelope Cruz é formidável. É sempre possível perceber a entrega da atriz quando está ao lado do aclamado diretor. Sentimos o mesmo quando vemos ele e Antonio Banderas, por exemplo. Flui assertivamente. Em “Madres Paralelas”, observa-se Almodóvar falando de uma maneira rara sobre perdas, luto, maternidade, busca pela humanização de uma família. E claro: ele fala de amor. É a primeira vez que ele flerta com o tema Guerra Civil Espanhola, tornando a nação sua amada mãe e traçando paralelos entre as perdas horrendas da Espanha da década de 30 ao lado de suas atuais personagens principais. O franquismo foi até 1976.
Almodóvar se agiganta ao falar das mães solitárias e da Espanha pós-Francisco Franco ao mesmo tempo. Ele é correto e sistemático ao relatar os resultados não apenas de dois partos sem os pais, mas também disserta de forma notável sobre a consequência que trouxe seu país aos dias de hoje. O papel do movimento conservador falangista (1930) – na dramaturgia do diretor – chega bem perto daquilo que um pai que não assume seu filho pode causar. Muitas famílias foram despedaçadas devido aos falangistas. A madre Espanha levou tempo para se curar, como todas as mães aqui citadas nesta obra também têm seu tempo para se reerguer dentro das circunstâncias em que se encontram.
Aqui seguimos duas mulheres grávidas às vésperas do parto em situações “quase” totalmente opostas. Uma feliz, uma triste; uma desejando o filho, a outra nem tanto. A excelente, vibrante e radiante Penelope Cruz é a fotógrafa Janis e a incrível atriz Milena Smit é Ana, a adolescente grávida e desolada. Almodóvar aqui tem seu ponto alto do filme quando costura a história da Espanha destruída com o franquismo à das duas mães num balé de cores quentes. Qualquer das “madres” ali: largadas. Sem um responsável que cuidasse do filho a nascer.
O sutil ponto fraco ocorre quando o diretor ligeiramente esvazia seu objeto da premissa. Abandona um pouco seu mote, sua dupla principal. E, no último terço do filme, ele tenta apressadamente dar alguma dignidade que muitos filhos da nação não tiveram. Um ótimo filme que não termina muito bem. Mas ao menos Almodóvar flerta com um caminho da reconciliação e do apoio humano seja ele como for e de quem for.
Sempre há tempo para que as sombrias e péssimas relações mostradas aqui possam convergir a tempos de paz. É o que precisamos profundamente para o próximo ano, além da proteção dos responsáveis e de distância dos extremistas que nos abandonam no maior egoísmo possível. Destaque para a disposição artística e penosa de se ver dos atores de Almodóvar deitados simulando as mortes de um passado doloroso, mas igualmente importante de ser visto e de tentar ser solucionado.