"RRR: Revolta, Rebelião, Revolta" (2022), de S.S. Rajamouli
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7.8

Onde: Netflix

 

Não dá para negar que a Netflix acerta quase todo ano (pelo menos nos últimos), em criar fenômenos com produções de língua não inglesa. Muito se fala dessa disseminação de conteúdos globais como um resultado do advento do streaming, mas é justo dizer que ninguém faz isso tão bem como a “vermelhinha”. La Casa de Papel, Dark, Lupin, Round 6, O Poço e 365 Dias são alguns desses projetos. Todos figuraram a lista de mais assistidos por semanas e alguns entraram de vez na cultura pop. A entrega de conteúdo da plataforma é imensa, com muitas produções esquecíveis, mas quando ela acerta, é difícil competir.

E a Netflix acerta mais uma vez ao fazer o lançamento global de RRR: Revolta, Rebelião, Revolução, o blockbuster que quebrou recordes de bilheteria na Índia.

Dirigido por SS Rajamouli, um midas das bilheterias do cinema indiano, o filme mistura fatos reais do período pré-independência da Índia com um épico de fantasia, lutas, música, drama, comédia e violência. A história acompanha dois personagens tidos como Fogo e Água. O primeiro, Raju (RamCharam), é um soldado indiano à serviço da coroa inglesa e visto como um traidor pela maioria. Ele entra em uma missão para descobrir quem é o homem por trás de uma possível invasão e atentado ao governador da região. Já o segundo é Bheem (N.T. Rama Rao Jr.), o homem que vai tentar invadir o palácio e sabe que as autoridades estão atrás dele. Bheem está tentando encontrar Malli, uma menina que foi raptada do seu vilarejo para satisfazer a vontade da mulher do governador. Entretanto, Raju e Bheem se tornam grandes amigos antes da fatídica descoberta sobre a verdadeira identidade do outro.

Contar mais que isso é tirar de RRR um dos seus grandes méritos que é, justamente, acompanhar a jornada dos dois protagonistas. Charam tem uma presença digna de qualquer galã de Hollywood. Se estivesse em solo americano, com certeza estamparia capas de revistas e listas de “homem mais sexy do mundo”. Já Rao Jr. tem uma o olhar puro e perseverante que os grandes protagonistas de histórias clássicas carregam. O carisma de Raju e Bheem na primeira uma hora de filme é arrebatadora e nos deixa apreensivos, assim como a música que toca durante as imagens dos dois juntos, sobre o que vai acontecer quando a verdade se revelar.

RRR é, acima de tudo, um espetáculo visual. As imagens e a fotografia de vários segmentos do filme são belíssimas e criam um senso de fábula para a história. Essa sensação de fantasia fica ainda mais marcada pelos efeitos digitais, quase sempre bem artificiais, mas que estão ali para ajudar a contar a história e auxiliar nos exageros físicos da obra de Rajamouli. Os animais, o fogo e até a poeira das cenas com areia deixam isso bem claro. A intenção não é criar algo fotorrealista, mas sim, inserir o espectador em um mundo no qual, para Raju e Bheem, quase tudo parece possível.

Entretanto, quando o assunto é a ação de RRR, aparentemente tudo é possível. Desde a insana coreografia de Raju contra um mar de pessoas logo no início do filme, passando pela luta de Bheem contra um tigre (que deixa a cena do Capitão América segurando um helicóptero, em Guerra Civil, no chinelo), ou mesmo o incrível resgate na ponte e a megalomaníaca última meia hora do filme, as cenas parecem crescer em progressão geométrica. A loucura com que Rajamouli filma e dirige esses momentos é ímpar dentro do gênero. Não há o medo do ridículo, do absurdo e da galhofa que, por exemplo, representa um homem só destruindo meio mundo. 

 

Muito pelo contrário.

Esse ar bobo/inocente das presepadas da dupla é um contraponto direto para a violência que os acontecimentos do filme representam: um povo inteiro subjugado aos mandos e desmandos do imperialismo, como boa parte do mundo colonizado pelos europeus, que deve se unir para derrubá-lo. A resposta do povo é o título do filme, uma tradução do Telugu, língua original do longa, para algo como Raiva, Guerra e Sangue. 

Aliás, é importante que não se confunda RRR com uma produção de Bollywood: produções geradas na indústria de Mumbai. O filme é parte da chamada Tollywood, que cria obras na língua Telugu e que, desde 2021, se tornou a maior do cinema indiano. Filmes como os dois épicos Baahubali, também de SS Rajamouli estão entre os grandes sucessos da região. 

Já fica o aviso caso vá assistir com áudio “original”: o filme está sendo distribuído dublado (pelos próprios atores) em Hindi, língua oficial da Índia, e não em Telugu.

É incrível perceber que essa facilidade de acesso que o streaming proporciona atualmente pode nos trazer contatos com esse tipo de informação. Seja da indústria do cinema indiano, que vendia até 2020, dois bilhões de ingressos por ano. Seja da história do país ou da situação que a índia se encontra atualmente. RRR recebeu muitas críticas por deixar de lado personagens islâmicos também importantes para a “revolução”, além de estereotipar povos tidos como de castas mais baixas, como os Gond. As críticas ao filme e ao diretor acabam reforçadas quando olhamos o retrato da Índia atual: um país governado por uma direita extremista e ultranacionalista, que aceita e incentiva o ódio ao povo islâmico.

 

Blockbuster?

 

Ainda assim, RRR é um dos grandes blockbusters de 2022 e, facilmente, um dos filmes mais divertidos da temporada. Um épico de ação que é uma grande mistura de gêneros e referências. Uma hora lembra as produções de Stephen Chow, em outra as coreografias de The Raid, mais para frente um Rambo 2 ou um filme de Buddy Cop. Nesse meio tempo, consegue criar uma das cenas mais incríveis do ano com um número de dança que é uma batalha entre os dois protagonistas e mais um dos ingleses vilanesco que povoam a obra. “NaatuNaatu” já é um clássico do cinema. Não duvido que Hollywood já tenha um remake disso encaminhado.

A verdade é que, mesmo com isso tudo, o que torna RRR uma obra universal e um sucesso é a mensagem da busca pelo bem e a revolução do oprimido. Um drama que caminha pela Terra desde que o humano se entende como ser pensante, mas que sempre será atual. E nada melhor do a Revolta, a Rebelião e a Revolução virem de dois heróis tão carismáticos. E dançantes!