“Mato seco em Chamas” se passa na favela de Sol Nascente, na Ceilândia (Brasília) e conta a história das irmãs Chitara (Joana Darc Furtado) e Léa (Léa Alves da Silva), que descobrem um poço de petróleo em suas terras e passam a produzir e vender gasolina barata. Submetidas a uma realidade caótica, liderada pelo machismo e opressão, são obrigadas a lutar por sua resistência, e formam, junto com outras mulheres, o grupo chamado de “Gasolineiras de Kebradas”, cuja lenda reverbera pelas prisões de Brasília.
O filme funciona como um retalho da memória dessas mulheres e a montagem de Cristina Amaral segue a mesma linha, respeitando, através de escolhas inteligentes, o tempo e espaço de cada momento, e contrapondo de forma oscilante, partes documentais, cenas de ação, extensos diálogos ou apenas o ruído exacerbado e pulsante das máquinas do local, que reforçam a tensão presentificada no ambiente.
Apesar da narrativa não linear, a mesma converge em uma questão comum e recorrente – a prisão. A todo momento ouvimos histórias de pessoas que saíram da prisão, estão presas e/ou possuem conhecidos que estão presos, remetendo por fim, ao estado de aprisionamento das personagens e às tentativas de transgressão de um sistema cíclico ao qual estão submetidas. Ao mesmo tempo em que vislumbram a possibilidade de melhoria de vida através do petróleo, estão presas a um regime autoritário de extrema direita, que prega o machismo, preconceito e intolerância, representado por claras referências aos desfiles eleitorais pró-bolsonaro, garantindo hibridez à obra, com a utilização de tons documentais.
As histórias de Adirley Queirós partem do micro para o macro. Ceilândia, sua cidade natal, é a base do diretor, que direciona os holofotes às pessoas que são ignoradas pela engrenagem sócio-política-capitalista e que, ao mesmo tempo, estão rendidas à mesma, de forma que figuram como corpos transgressores em busca pela ocupação de novos espaços, novas possibilidades. Desta forma, a propagação da verdade, ainda que sob o manto da ficcionalidade, é o que interessa.
Além da força, inteligência e originalidade do olhar, o cinema de Adirley Queirós se destaca por seu processo de construção – artesanal e colaborativo. Sempre com elenco e equipe reduzidos, as funções se mesclam e a criação acaba por ser coletiva. Exemplo disso é a parceria com a cineasta portuguesa Joana Pimenta (com quem já tinha trabalhado em “Era uma vez Brasília”), que assina a direção de fotografia, e agora vem a somar na co-direção do filme.
Tal pessoalidade justifica a escolha em “Mato seco em Chamas” por longos takes e câmera estática, já que, para além da estética cinematográfica, o que interessa é o humano. Como resultado, temos closes e cenas com raros, tocantes e preciosos momentos de genuína verdade. Um tipo de cinema provocativo e despretensioso que consegue ir além do ato de resistência do fazer cinematográfico em si e que merece portanto, os louros e prêmios que vem adquirindo pelo caminho.
Se puder, aconselho que não perca esta oportunidade.
Mato Seco em Chamas | Trailer oficial
Confira o trailer EXPLOSIVO de “Mato Seco em Chamas”, de Joana Pimenta e Adirley Queirós (“Branco Sai, Preto Fica”)! O filme, que passou em mais de 60 festivais e recebeu 36 prêmios no mundo todo, estreia em 23 de fevereiro!