"Men" (2022), de Alex Garland
6Pontuação geral
Votação do leitor 7 Votos
8.9

Onde: Cinemas

 

O ótimo e inventivo diretor inglês, Alex Garland, retoma sua parceria com a autoral e independente produtora A24 numa obra que tinha tudo para ser o melhor filme do ano, mas que infelizmente deixa muito texto sem ser concatenado em seu terceiro ato, ilustra infinitas metáforas, abandona sua premissa formidável e ainda faz com que o próprio Garland se denomine um “gênio” do cinema. Sim, ele parece fatalmente se chamar de soberbo em relação a seu público no que toca o segundo e o terceiro ato de “Men”. E este é apenas o terceiro filme do diretor. Seu primeiro foi o excelente “Ex Machina” (2015), pelo mesmo estúdio: A24, agora de fato renomado.

A obra aqui é provocativa, nada formulaica, mas soberba, como dito. Após terminar um casamento de maneira absurdamente chocante, Harper Marlowe aluga uma casa linda e bucólica pelo interior da Inglaterra e vai de fato tentar se esquecer do que aconteceu consigo – o que é impossível – e se conectar com a natureza. Com a sua e com a campestre magnânima que a cerca. Mas obviamente algo soa muito estranho nesse ambiente límpido onde ela se localiza. Começa a parecer inquietante, mas ao mesmo tempo familiar. Ela enxerga um desagradável homem nu nas redondezas da casa perseguindo-a. Sendo assim, Harper se martiriza pelo que aconteceu em sua esquálida relação. Logo, o diretor Alex Garland mostra também que tal relacionamento estava fadado ao fim, era também estranhamente abusivo.

Nossa imersão se inicia com a tal culpa de Harper após o episódio derradeiro em seu casamento. A premissa e as problemáticas são excelentes, sendo assim temos uma introdução pesada e assustadora. O que seria indicativo de um filmaço. O mimetismo é todo pensado na sugestão e no pavor que poderia ser criado em seu público, mas principalmente nas mulheres. E o que faz Jessie Buckley aqui é daquelas atuações memoráveis. Buckley é Harper e, nesta obra, ela desenha humanamente – não de uma forma simples de ser digerida – o que acontece com as mulheres todos os dias da semana, sem exceções. Ela traz um trauma que se perpetua por toda a obra. Podemos dizer que Garland quis a personagem de Harper representando todas as mulheres possíveis desde o início de um patriarcado até hoje.

Vemos logo como funciona a mente de Harper e a resiliência tão almejada por ela é incapaz de transcorrer em paz. Nesse tal local, não há espaço, nem tempo, para certas reflexões sobre seus sofrimentos no dia a dia. As mulheres, em geral, conseguem esse tempo? A resiliência da qual falo é facilmente elevada (é notória) pela qualidade técnica inegável da fotografia limpa, naturalista e um tanto divinal (paraíso) do amigo inseparável de Alex Garland – Rob Hardy. Garland esteve com ele também em “Ex Machina” (2015) e “Aniquilação” (2018). A estética da dupla é facilmente notável ao ligarmos suas 3 obras.

AS INESGOTÁVEIS METÁFORAS ATRAPALHAM

Seus simbolismos aqui são diversos e não tocarei em todos. Eis em tela uma película com incontáveis possibilidades de análises e de reflexões para fora da tela. A mais óbvia desmonta um machismo porco e destruidor de muitas mulheres. Afinal, em “Men”, todos os homens são iguais. De maneira esdrúxula e perturbadora, todos são iguais. Outra metáfora também gritante faz uma leitura de como a religião pode tratar de certos temas relacionados às mulheres. De resto, Garland se perde e deixa claro estar perdido em seu roteiro.

Ainda no cerne da religião, o diretor faz referências literárias tentadoras da mulher com o religioso. Um padre repulsivo se encarrega disso. Provocativo, triste e assertivo. É fraca a exposição gritante do que seria exibido pela personagem de Jessie Buckley. Por mais que a atriz lute mesmo para fazer algo fantástico graças às suas assertivas reações mundanas femininas, aquilo que lhe é reservado como a primeira metáfora da obra soa raso e exageradamente esclarecedor. Não deveria. É como se o público de Garland fosse bronco ou primitivo.

Um fascinante Rory Kinnear surge em tela para nos brindar com uma performance marcante e, de tão verdadeira que é, choca e nos faz virar os olhos. Todas as suas facetas destroem uma mulher. Em meio aos óbvios homens interpretados por Kinnear, destaco o recepcionista (dono) da casa de campo. Este sujeito traz toda a normalização da sociedade misógina e bem arcaica na qual fomos imersos por muito tempo e – ainda assim – contamos com um emaranhado de crenças que faz com que aceitemos tal essência e comportamento. Não, não pode ser assim. Alguém mais velho não tem, nem nunca pode ter, privilégios para grifar certas mulheres como eles bem querem fazer ou bastante faziam em seu passado. Agressões praticamente imperceptíveis são testemunhadas por nós e, às vezes, ainda conseguimos sorrir para a tela.

Poderíamos presenciar uma aula de semiótica, como os maiores teóricos da Disciplina adorariam abordar, tal qual o italiano Umberto Eco, autor de “O signo” e de “O nome da Rosa”. Mas Alex Garland falha no fundamental aqui. Na semiótica, você deve concatenar os signos. Ora entre eles mesmos, ora entre seus intérpretes. Isso, cientificamente falando. O cineasta abandona os significados dos objetos, dos temas, das problemáticas, ou seja, há um relaxamento do interesse do autor aqui com seus signos, no geral. Ele abre mão de seu elo maior ao final da obra. Uma lástima.

PLOT TWISTS CANSAM

Em seu desfecho, contamos com excessivos plot twists. “Um parto” de viradas (quem vir vai entender). Eis que temos a parte que mais incomoda o espectador. Pode ser bom para muitos o fator sugestão. Afinal, toda boa trama de suspense ou mesmo de horror, quando sugere que pensemos e não nos mostra demais (se explicando repetitivamente), faz com que qualquer obra seja bem sucedida de forma geral. Não foi isso em “Men”. Sugestão, explicações, exibicionismo puro, abandono de tema (conforme dito) foi o suficiente para não me conectar com o previsto na conclusão da produção. Mas sei reconhecer que o potencial – devido a alguns assuntos pontuais e necessários – era imenso para talvez termos uma obra a ser sempre relembrada. Desmascarar certos homens conhecidos que exterminam mulheres diariamente pode ser melhor consumido.

Talvez revendo a obra, eu possa gostar mais. Mas não tira a soberba de Alex Garland muito cedo ainda em seu jogo. Acontece com jovens diretores experimentais.