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A série ácida sobre super-heróis às avessas está de volta em altíssimo nível. Ao menos, nestes 3 primeiros episódios, toda a atmosfera perversa, malvada, nada convencional, de pessoas desajustadas e despreparadas, está aqui seguindo todo o proposto em suas duas ótimas primeiras temporadas. Estamos de novo envoltos pelas falsas máscaras poderosas criadas pelo roteirista Garth Ennis lá nos quadrinhos de 2006. Tais heróis são corrompidos por status que envolvem publicidade, aceitação, depravação, narcisismo exacerbado. E eles possuem todo amparo de sua empresa fundadora – a Vought (detentora dos direitos dos melhores Supers do mundo). E tais máscaras do comportamento imprudente seguem sendo bem dirigidas por Eric Kripke desde 2019 até hoje nesta excelente, por enquanto, terceira temporada.

A dramaturgia da série aqui reduz o mito dos nossos super-heróis a pó. Na série, quem tem quaisquer poderes é conhecido como Super. E tal alegoria é completamente desconstruída e estraçalhada tanto pelo diretor quanto pelo grupo clandestino mantido pela CIA – também controverso – formado por Billy Butcher (Karl Urban), “Leitinho” (Laz Alonso), Francês (Tomer Capone) e Hughie Campbell (Jack Quaid). E, após os acontecimentos do final da segunda temporada, este grupo de vigilante, chamado de “The Boys”, agora parece estar no caminho certo para deter a maior ameaça à humanidade: O Homelander. Mas eles não contavam com o surgimento de uma Super igualmente poderosa: Victoria Neuman. Vale dizer que Hughie trabalha para o Governo, junto à Victoria, na caça aos Supers, porém sabemos agora que esta caça não passa de um arco falso.

Como bem cravou o escritor e poeta russo, Alexander Pushkin: “a ilusão que nos eleva é mais querida que verdades baixas”; neste início de temporada podemos observar que o trunfo que se tinha contra o inescrupuloso ditador, assassino ainda adorado, e falso mito, pode cair por terra quando ele mesmo ameaça a chantagem que sofre: “vá lá, mostra tal vídeo, vamos acender essa chama…claro, perderei tudo, mas depois disso: não haverá mais nada a perder…apagarei New York do mapa”. Homelander diz isso a Starlight. É inevitável ao público o pensamento receoso e recorrente de que a qualquer momento ele pode moer os ossos, num sopro leve, de qualquer Super ou ser humano que passar seu caminho. Qualquer um com a mínima ideia que fira sua vaidade ou que vá de encontro ao seu ego. No caso do Homelander, o ego exacerbado fala mais alto que seu poder de Super.

Paralelo ao vídeo que ameaçaria a natureza de Homelander, The Boys agora possuem contato direto com o filho dele (Ryan, menino fortemente poderoso) e sabem de certa forma seu esconderijo. Essa mínima relação mantém ainda uma linha tênue que detém Homelander e faz com que ele não aniquile o que quiser. Além de Ryan e do tal vídeo, há um elemento novo e polêmico nesse início de temporada que pode deixar The Boys com uma vantagem contra os Super controversos: o Composto V24. Tal composto pode deixar qualquer pessoa com habilidades de Super – desconhecidas de fato – mas por um período de 24 horas. Chama potente aos olhos do grupo The Boys, que podem equilibrar essa luta e tirar os crápulas do poder.

 

O panfleto de The Boys

 

A série afia sua linguagem panfletária no decorrer da segunda temporada ao trazer a personagem nazista – Stormfront – que tinha o intuito de criar um grupo com os melhores Supers de todos, contanto que fossem arianos. De novo, com proteção da empresa Vought, cuidadora dos “Sete”, conhecidos conforme dissemos, como os maiores Supers do planeta. Desta vez, vemos também Homelander tentar se desvincular do estrago causado à sua imagem (de novo) graças à aproximação da neonazista Stormfront, que aqui nesta temporada agoniza no hospital após a ira do filho de Homelander que a mutilou e a carbonizou.

A obra segue encontrando espaço para destilar sua crítica feroz, pontual e achincalhadora pra cima daqueles que ainda acham que vilões escancarados como Homelander e Stormfront (figuras facilmente encontradas em nosso mundo) são algum tipo de salvadores da pátria. Os discursos frente aos microfones são bonitos para alguns, mas já encontram aversão do espectador, que sabe que não há mais espaço para tamanha intolerância e sufoco. A defesa hercúlea da tônica totalitária e reacionária, por parte de Homelander, por exemplo, é gritante. Mas não os chame de nazistas: eles não gostam. Sabemos como funciona isso. A série começa a dividir seu público fatalmente. O que é acertadamente bom.

O show agora mantém o estilo do ambiente criado, segue depravado, segue repulsivo, cômico, mas melhora o conflito do super-heróis versus o ser humano. Vemos isso no fervor dos olhos de Butcher, quando ele está de posse do tal Composto V24. A crítica política ácida e o pano de fundo psicológico não estão de lado, seguem a fio sim, mas apenas dividem bastante a tela com as lutas e as ameaças sempre aterrorizantes de aniquilação.

Assim que Starlight ganha o cargo de co-capitã do grupo dos “Sete”, Homelander acende de fato o pavio do terror. O público começa a gostar dela, o que coloca a liderança do herói assassino ameaçada, obviamente no campo das ideias, afinal ninguém é tão forte quanto ele no seriado. Sendo assim, veremos a produção se encontrando realmente, fazendo seus comentários sociais divisivos e aprimorando o argumento do show.

 

O início do fim

 

E, se alguém acha que pode ser repetitiva a ameaça derradeira de Super figuras como Homelander, Victoria, Stormfront e outros, podemos simplesmente aplicar à nossa vida: quantas personas poderosas se repetem e nos destroem no alto escalão de nossa realidade? Ditadores de diversos tipos. Ao final deste episódio 3, foi possível saber para onde a série vai andar. O novo personagem – Soldier Boy – que pouco apareceu até aqui, junto ao uso do Composto V24, deve ser o mote para a solução buscada. A tal arma almejada para destruir os “Sete” deve estar ao redor do arco do espalhafatoso armamentista Soldier Boy, clara alusão ao Capitão América da Marvel.

Hughie, Butcher e o grupo The Boys vai à Rússia e estão dispostos a tentar de tudo para deter Homelander e a Vought. O melhor destes 3 primeiros episódios foi de fato a atuação de Antony Starr, ele se iguala aos piores vilões do cinema e das séries. Fantástico, fanático, enérgico e apaixonado por si mesmo. Temos um dos melhores vilões dos últimos tempos aqui. O pavor causado para que ele possa ganhar o amor do próximo e a idolatria é primordial.

Há então o ótimo levantamento de uma tênue dicotomia erguida pela série: o comportamento da persona e da sombra dos Supers. Carl Jung adoraria tal embate. E isso vai sempre permear o ser humano e vai ser frequentemente sedutor aos olhos da arte, principalmente às lentes hollywodianas ou aos traços cartunescos. Tamanha a possibilidade de representações e críticas sociais. Mesmo que às vezes o diretor force a mão e seja panfletário demais. Serão 8 episódios ao todo, faltando ainda mais 5 a serem lançados. Promessa de mais perversão e crítica social. A obra se encaminha facilmente para ganhar 5 estrelas em seu final.