Onde Assistir: Netflix
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Não há novidade em comédias sobre luto. Mas em After Life, Ricky Gervais tenta fazer algo diferente. E tenta com tanto afinco que se perde no caminho. After Life não é ruim de assistir. Com duas curtíssimas temporadas de seis episódios (trinta minutos) cada e tendo David Bradley e Penelope Wilton no elenco, a série passa fácil em tempos de confinamento. A obra é sobre Tony (Gervais), um jornalista do interior que vive um intenso e recente luto pela morte de sua esposa, Lisa. Quando não está assistindo os vídeos que Lisa lhe deixou com mensagens que se resumem a “não deixe de viver”, ele está cuidando Brandy – a lindíssima cadela de estimação – ou resmungando contra tudo e contra todos.

A relação entre Tony e Brandy pode nos enganar no começo. Perturbado pela perda, Tony não esconde que pensa em suicídio em todo e a cada dia. E ele tenta nos vender que é o fato de ter que cuidar de Brandy que o impede de tomar a tal decisão derradeira. Chegamos a pensar que a série é sobre amizade, esperança e superação. Mas não. Tony não consegue se matar e faz questão de torturar todos à sua volta por não terem seus problemas. O título em português escolhido pela Netflix já entrega: “Vocês Vão Ter Que Me Engolir”.

Ele trabalha no jornal local – de distribuição gratuita – e vive de escrever matérias insólitas sobre os habitantes do vilarejo onde mora. Com exceção da cachorra e do sobrinho, à primeira vista Tony não poupa ninguém. Ele se coloca num pedestal social ou intelectual (ou qualquer outro aspecto que lhe seja conveniente usar de caixote no momento) e se dá ao direito de diminuir todos à sua volta. E Gervais – o showrunner – construiu uma leva de personagens para lhe servirem de sparring, desde os entrevistados do jornal (não há um só normal) até o terapeuta abusivo e ególatra, passando por seus colegas de trabalho.

É óbvio que Ricky Gervais não nos daria uma comédia 100% intragável. Existem momentos de humor (seja com leveza ou mesmo com morbidez) que são incríveis. Entre os meus preferidos estão aqueles – calma, sem spoiler – quando Tony contrata uma prostituta e quando o carteiro pede para usar o banheiro. Há diálogos tocantes, principalmente os de Tony com Anne (Penelope Wilton) no cemitério – com conselhos que Tony nunca vai seguir – e há toda a narrativa dramática da convivência com a demência do pai (David Bradley). São honráveis tentativas de dar profundidade ao protagonista.

A segunda temporada consegue ser um pouquinho mais caótica, quando surgem as tramas do grupo de teatro, do cunhado de Tony e das dificuldades financeiras do jornal. Tudo isso em seis episódios de trinta minutos, vale lembrar. E nem vou entrar na seara das soluções preguiçosas para a produção (um casarão grande e lindo para um jornalista de um pequeniníssimo jornal local ou paisagens londrinas no interior da inglaterra).

Para concluir, Gervais construiu um Tony com uma depressão crônica que não permite que nada funcione em sua vida, nem o acompanhamento psicológico, nem os amigos, o trabalho, um hobby, nada. E isso é compressível, até empático para quem conhece a depressão em qualquer nível. Tony (que é obviamente um alter ego de Gervais quando se trata de ateísmo) ainda faz questão de debochar excessivamente da espiritualidade alheia – não importa a religião – que é o que normalmente dá alento às pessoas na hora do luto. Sem entender onde ele quer chegar, acaba ficando difícil identificar se o luto de Tony é uma ode ou uma crítica ao ateísmo. Definitivamente After Life é uma ousadia. Provoca e incomoda. Talvez se aproximasse de seus objetivos (quaisquer que sejam) se fosse menos caótica.