“Mulher Rei” (2022), de Gina Prince-Bythewood
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8.5

Onde: Cinemas


Volta e meia vemos o anúncio de uma nova telenovela com ares de superprodução. Seja por causa das cidades cenográficas gigantescas, seja pelo uso de alguma nova tecnologia na TV ou até pela fotografia de cinema em cenários reais, como a queridinha do público em 2022, Pantanal. Muitas das vezes essas grandes superproduções são as famosas “histórias de época”, contos do Brasil colônia, Imperial ou do início da República. Em vários momentos, Mulher Rei parece uma dessas produções. Seja para o bem ou para o mal.

O filme conta a história do reino africano de Daomé durante os anos de 1820. Acompanhamos tudo sob a ótica das Agojie, amazonas que formam uma espécie de tropa de elite do reino. Após resgatar um grupo de mulheres de Daomé sequestradas para serem vendidas como escravas pelo Império Oyo, as Agojie e o rei Ghezo (John Boyega) terão que enfrentar os inimigos que querem expandir território e continuar o tráfico de pessoas com os portugueses.

Quem lidera as guerreiras é a General Nanisca (Viola Davis), uma mulher que vive e prega um forte código de conduta entre as suas companheiras, visando uma máxima proteção de Daomé. Ao lado, ela tem as fiéis Izogie (Lashana Lynch), Amenza (Sheila Atim) e, agora, um novo grupo de recrutas, que terá como figura central Nawi (Thuso Mbedu).

Essas quatro são a grande força de Mulher Rei e o pilar que melhor segura o filme de uma ponta até a outra.

Viola Davis é uma das presenças mais marcantes em qualquer produção de Hollywood atualmente. Um exemplo é que a Amanda Waller que ela fez no execrado Esquadrão Suicida (2016), permanece nos filmes da DC até hoje. Foi favorita ao Oscar durante toda a trajetória de Um Limite entre Nós (2016) e venceu. Em Mulher Rei, ela repete a carga dramática poderosa e acrescenta uma camada física impressionante. Nanisca é uma força imparável e Viola transmite isso com seu porte físico, nos movimentos da ação e principalmente na expressão fácil e na firmeza das falas. Não é ousadia dizer que nenhuma outra poderia fazer igual.

Lashana Lynch já havia mostrado que não está a passeio no último 007 e aqui volta a provar todo o seu potencial para ação. Além disso, a atriz entrega todo o carisma necessário para cumprir o papel de mestre e conselheira de Nawi. Sheila Atim cumpre outro papel, o de amiga, confidente e conselheira de Nanisca, com o mesmo talento. E Thuso Mbedu, bom, ela é a grande surpresa do filme, mas que não é nenhuma surpresa para quem assistiu The Underground Railroad. Talentosíssima.

Mulher Rei ainda tem a seu favor boas cenas de ação, algumas com coreografias mais bem executadas que outras, mas todas com uma boa mistura de realismo e entretenimento. É interessante ver as diferentes armas utilizadas por cada uma das Agojie. Além disso, há um trabalho de figurino incrível, tanto para as guerreiras, quanto para o rei e o povo de Daomé.

Entretanto, todo esse cuidado não se reflete em como a história é contada. E esse é um caminho bem delicado da produção.

É nítido que os produtores quiseram fazer uma história mais popular e que lotasse as salas de cinema. Seja pela questão de tornar mais acessível esse recorte histórico hediondo da exploração do povo africano pelos europeus ou mesmo em como mostrar essa história de empoderamento feminino, Mulher Rei acaba caindo nos piores clichês do cinemão americano. Há um excesso de explicação do que estamos vendo em tela. Por exemplo: os portugueses estão ali para comprar escravos. O filme mostra isso algumas vezes. Já em outras, alguém tem que dizer que o povo está sendo vendido para ser feito de escravo. A primeira luta do filme, na cena de abertura, já deixa isso claro.

NOVELÃO COM VIOLA

Sem contar a forçação de um romance sem motivo nenhum entre Nawi e Malik. Ele não serve para evoluir a história dela e não cria consequências para o plot principal. É simplesmente para colocar um bonitinho na história.

Além disso, a busca por uma classificação indicativa mais baixa torna toda a violência, seja dos confrontos ou da própria escravidão, uma barreira para a direção do filme. Fica clara a dificuldade de dar força para uma morte, um golpe ou outro tipo de violência, tendo que esconder o sangue e o movimento durante a ação, por exemplo. Se por um lado é louvável que o filme não crie um torture porn em cima de uma situação já brutal, por outro, tirar o peso da situação é suavizar tudo o que as Agojie e o seu povo tiveram que sacrificar.

Há um elemento dramático em Mulher Rei, que não vale dizer por conta de spoilers, que de primeira parece mais uma dessas forçações de barra que Hollywood tenta empurrar goela abaixo (e que também são muito utilizadas nas novelas). Entretanto ele é muito pertinente para a jornada da General Nanisca – e da grande maioria das mulheres – sendo um símbolo que vai dar força para ela. Em uma história mal escrita, ele seria utilizado como um artifício para a fraqueza. Em uma história de empoderamento como essa, isso seria um erro indefensável.

E de indefensável aqui, só os atores não portugueses fazendo sotaque de Portugal. Em 2022, não dá, né?

Mulher Rei é um novelão, seja para o bem, seja para o mal. É um novelão na forma popular de contar sua história, de apresentar suas personagens, de guiar o espectador pela mão o tempo todo e deixando claro o certo e o errado. E tá tudo bem. É preciso que alguém conte essa história. É preciso mostrar para o jovem que acha incrível as Dora Milaje, de Pantera Negra, de onde a ideia delas surgiu, quem foram essas mulheres e tudo que elas representaram e ainda representam.

E com Viola Davis dando show ainda, pode me chamar de noveleiro.