A história é adaptação do livro escrito por Clarice Lispector em 1969 chamado “Uma aprendizagem ou O Livro dos prazeres” e segue Lóri (Simone Spoladore), uma mulher, professora, em busca da complexidade do bem estar diante do “absurdo” de sua existência. Sem saber se relacionar com os outros e/ou consigo mesma, ela se isola dentro de seus próprios pensamentos.

Em sua jornada de transformação, a personagem se abre para novas sensações, relações e sentimentos rumo a sua autonomia existencial.

Nesse sentido, a diretora Marcela Lordy embarca na difícil missão de dar vida, ações, movimentos e concretude – ainda que subjetivamente – a pensamentos de uma complexa Lóri. E acerta ao fugir da armadilha da emancipação “falseada” de sua protagonista – uma mulher bem sucedida, inteligente e incompleta, que, em outras narrativas usuais, teria sua transformação rumo à completude instigada pelo masculino.

Em uma indústria ainda dominantemente masculina, a diretora consegue manter o cunho político e feminino da obra de sua autora inspiração – Clarice Lispector – e imprime um olhar feminista e igualitário à sua complexa protagonista, ao passo em que a mesma foca sua busca em sua internalidade, procurando “em” e a partir “de” si, a resolução  de suas questões, para somente então – já autônoma e detentora de sua existência – avançar em direção a seus anseios.

Sob este ponto, temos o tal personagem masculino – como proposta de arco romântico do filme – interpretado pelo ator Argentino Javier Drolas, que a partir de uma performance insossa – ainda que não propositalmente – ajuda a fortalecer a narrativa pró feminina ao se apresentar não como “o” agente externo, mas sim, como mais um dos agentes externos que contrapõem a luta da mulher contra a opressão e os caminhos que poderiam a abster de se tornar a regente de sua própria vida.

Assim como no livro, a narrativa não possui começo, meio e fim. Logo no início nos deparamos com uma Lóri (em uma atuação de destaque de Simone Spoladore, que consegue imprimir a complexidade de pensamentos e dúvidas constantes de sua personagem) que já está lidando com suas problemáticas e, apesar de acompanharmos sua jornada, fica claro que esta é contínua – e assim o é – já que a luta feminina é histórica e as transformações, constantes. E nesse constante inteirim, “O Livro dos Prazeres” presta a devida homenagem à essência da obra de Clarice Lispector. Vale a pena a ida aos cinemas.