O filme acompanha a história de Hickson (Marcelo Adnet), típico brasileiro comum que como muitos, se “vira nos trinta” pra garantir seu ganha pão diário. Para tanto, realiza multifunções, que vão desde a entrega de telemensagem de amor à técnico de informática. Carismático e dono de um talento vocal peculiar, sonha em trabalhar como locutor de rádio. É casado com Jéssika (Letícia Lima), seu amor de infância, que reconhece o potencial do marido e o apresenta ao pastor de sua igreja, que possui um programa em uma rádio local.
Por indicação do pastor, Hickson consegue um trabalho na rádio evangélica em uma função burocrática, até que um dia, ao realizar o conserto de uma mesa de som, testa o microfone da rádio e sem saber, entra ao vivo no ar. É o bastante para angariar uma legião de fãs. Diante do sucesso inesperado, ele assume a carreira de pastor evangélico, se tornando o Pastor Hickson.
Seja pela premissa inicial deste texto ou até mesmo pelo próprio cartaz do filme, é possível presumir se tratar de mais uma comédia nacional com o apelo popular, pautada majoritariamente no talento cômico de seus protagonistas.
Sim, Adnet, que também colabora com o roteiro e com a produção do filme, explora e diverte com o uso de seu talento e tessitura vocal, amados pelo público. Entretanto, surpreende positivamente ao explorar a dramaticidade cômica, que humaniza sua personagem. Não há o deboche, exploração e/ou banalização da fé e da religião, com o intuito de arrancar risadas superficiais do público, mas ao contrário, o roteiro se fundamenta em uma crítica social bem construída, acerca daqueles que fazem uso da fé para benefício próprio e/ou como ferramenta de manipulação de massa.
O filme propõe a reflexão acerca do avanço e dos limites da espetacularização da crença, bem como, do endeusamento de figuras religiosas como meio de justificativa para a capitalização da religião.
Desta forma, Adnet e Lusa Silvestre (roteirista) resgatam a essência crítica sócio-cultural da comédia, deixando para trás a comédia esteriotipada rasa, que por vezes se utiliza do escracho como ferramenta de identificação e alienação, para focar na humanização como forma de identificação, levando o espectador a participar ativa e intelectualmente com o que está sendo contado.
O divino é colocado em contraponto à frágil existência humana, desmistificando a glorificação de políticos e religiosos, reduzindo todos nós à condição igualitária de seres mortais e falhos.
O filme não promove o ataque à religião, mas busca, através da identificação, o alerta acerca da voracidade da engrenagem capitalista a qual estamos submetidos, propondo o diálogo e análise de uma possível emancipação humana nesse sentido.
Chama atenção ainda a representação feminina no filme. Costumeiramente as mulheres no audiovisual, e principalmente no gênero cômico, são retratadas como meros objetos nas narrativas masculinas, e o filme faz o caminho oposto, exaltando suas figuras femininas com respeito. Jéssika, personagem de Letícia Lima, é a força motora do casal protagonista, ao passo em que toda e qualquer circunstância na vida de Hickson parte de uma ação provocada pela personagem.
Até mesmo quando o roteiro flerta com a objetificação da mulher, o faz conscientemente, em tom crítico e opositor.
O diferencial de Marcelo Adnet, além de suas óbvias e brilhantes habilidades, sempre foi seu humor ácido, inteligente e questionador, e em “Nas Ondas da Fé” isso se mantém a partir do uso do riso como gesto social, para, através da identificação coletiva, propor a análise de comportamentos encravados em nossa sociedade. Utopia ou não, fato é que a risada é garantida.
Nas Ondas da Fé | Trailer Oficial | 12 de Janeiro Nos Cinemas
Hickson (Marcelo Adnet) é um homem de fé que se vira como pode para pagar os boletos no fim do mês. De técnico de informática a locutor de carro de telemensagem, não tem nada que Hickson não tope fazer. E foi exatamente assim que ele conquistou um emprego em uma rádio evangélica.
*crédito de imagem: Peter Wrede