O adeus a "This is us" (2016-2022), de Dan Fogelman
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8.4

Onde: Amazon Prime e Star+ (atualmente)

 

Chega ao fim neste 26 de maio de 2022 a série drama que cativou milhares de pessoas mundo afora. Talvez seja a maior do momento nos streamings e vai deixar muita gente órfã da família Pearson. Uma família que serve sim de espelho para muitos espectadores. Não que sejam um modelo inflexível de família de capa de revista, mas porque o modo como tratam de diversos temas e se saem bem – mesmo com diversos obstáculos monstruosos no caminho – é gratificante. Afinal, há melhor analogia para o arquétipo de um pai do que Jack Pearson nas séries? Ou mesmo – ao final da obra pudemos constatar também que ele não estava só, ou seja – há melhor mãe que Rebecca Pearson na cultura pop? Inevitável a comparação com seres de nossa própria família. Peguei-me assim por vezes. Deve ter obviamente e podemos até encontrar, mas o assunto, o debate em si, é infindável e é um deleite de poder ser debatido. Por enquanto, em meu imaginário, fico com Rebecca e Jack.

E é muito bom? Ao longo de seis temporadas, o criador Dan Fogelman produziu 106 episódios, realizando uma série matematicamente bem pensada, bem montada e – acima de tudo – bem concatenada. O roteiro e a cronologia de sua estrutura não deixou furos e fechou corretamente todos os seus arcos. Os 23 atores usados para interpretar Jack, Rebecca, Kate, Randall e Kevin em suas diversas fases foram adequadamente utilizados. Todos eles. E pasmemos, todos estes atores, sem exceção, conseguiram nos fazer chorar por muitos momentos. Foram 250 indicações a variados prêmios e 59 troféus conquistados, dentre eles quatro Emmys.

This is us foi além da história de uma família de três irmãos gêmeos que nasceram nos anos 80 e que passaram por muitos problemas. A trama navegou pela infância de cada um deles, com a já conhecida perda de um bebê no parto de trigêmeos de Rebecca, em que testemunhamos a chegada adotiva do bebê negro – Randall. No dia deste sofrimento da matriarca, Randall era abandonado na frente da sede do Corpo de Bombeiros. Dali, ele é levado ao hospital em que está nossa mãezona e conhecemos de maneira assaz o destino dos três até este 6º ano. A série transita por conflitos de relacionamentos profundos como a briga homérica, de diálogos indizíveis, entre Randall e Kevin, o que deixa o espectador – torcedor dos Pearson – absurdamente aflito. Mas nada supera o 14º episódio da 2ª temporada, violento e trágico, chamado “Super Bowl Sunday”, quando nos é apresentado o motivo da morte de Jack. Uma faca te corta, me corta e nos deixa chorando para além dos créditos. Esta perda do pai aqui relatada seria um spoiler, mas tal fato é conhecido por qualquer um que já ouviu falar da série ou que leia algo sobre.

Mesmo com toda pompa das famílias bem-sucedidas do final do show, vimos o caminho árduo que o realizador Dan Fogelman percorreu para chegarmos aqui, a este final primoroso. Assevero de fato que o show faz uma crítica social pontual e perfeita a um emaranhado de problemas e assuntos do inconsciente social, do dia a dia deles e do nosso também. Na narrativa complexa de flashbacks e de flashforwards, por exemplo, somos instigados sempre com comentários precisos e complicados que trafegam por racismo, preconceitos diversos, Guerra do Vietnã, adoção, pobreza, sexualidade, maternidade, paternidade, adoção, obesidade, divórcios, profissionalismo, demissão, estética e aparência social, verdades mal expostas, diálogos insuficientes, falhas e mais falhas reais da vida de qualquer um dos que surfaram até este momento de despedida. Ufa! Pensemos: faltam muitos tópicos, mas citei alguns bem tangíveis. Tudo severamente realista.

 

Despedida dolorosa neste 6º ano

 

Mesmo com toda enrolação e algumas lentidões textuais do 3º e do 4º ano, a série sempre se recuperava ao final de cada temporada. Os textos não podiam ser explicados, mas a direção finalizava sempre primorosamente cada ano. Deixando aquele gosto de curiosidade exagerada. Tanto que o final da 4ª e da 5ª produziram ganchos maravilhosos. E aqui, no 6º ano, o desfecho foi sensacional, onírico, espiritual e teve uma pegada existencial fantástica devido ao pano de fundo das inserções de Randall nos últimos três episódios: “Family Meeting”, “The train” e “Us”. Nesta parte final do espetáculo, pudemos ver o real significado em tela da expressão “a vida continua”. Enquanto uns partem, outros chegam e a vida segue lá fora como um turbilhão de dificuldades e de emoções. Piegas de se falar, mas está lá, dito e bem executado. Porém os ensinamentos aqui transcendem. Eu mesmo tomei um monte de lições pra mim.

Montagem e maquiagem exímias. Assertividade no suprassumo da arte. Não faz o público sentir de maneira rude o passar dos anos, mas nos insere no desenrolar da trama, como se fizéssemos parte disso. Todos os erros e acertos dos excelentes atores, sem ressalva, Mandy Moore (a matriarca, sendo a mais nova do elenco), Milo Ventimiglia, Sterling K. Brown, Chrissy Metz, Justin Hartley e outros, são naturais. Eles ocorrem, são debatidos e logo passamos para outro ponto. Eles tentam sempre ser honestos e genuínos consigo mesmos e conosco. E nos entregam talvez as maiores atuações de suas carreiras. A dedicação de cada um é fenomenal. O que poderia ser uma incógnita – o destino da família Pearson – é bem resolvido, as amarras são palatáveis. Os amores vindouros, resgates de histórias passadas e nascimentos do futuro são postos em tela, equilibrados e nos emocionam facilmente. Sem contar que o arco do personagem de Miguel (o excelente carregador de pianos Jon Huertas), aquele que quase teria sido colocado de lado pelo roteiro, tem de bônus a reserva de um episódio inteiro explicativo e conclusivo, dos mais tocantes e melhores deste último ano. Como nos simpatizar com aquele que talvez ocupasse o local do intocável Jack Pearson? Sim, mais choro neste episódio.

Desta vez, a 6º temporada nos guardou os desdobramentos doloridos e vindouros do Alzheimer de Rebecca Pearson e todas as decisões derradeiras que seus filhos teriam de tomar para com ela. Como dito, o destaque vai para os três últimos episódios e podemos ter em “The train”, um dos de maior aceitação frente ao público, aquele que foi o “fora de série” deste desfecho. A pegada espiritual de despedida de vida (não é spoiler, por favor) e de adeus à série emula no espectador uma consciência magistral da nossa existência. Assim como Rebecca revisita o show inteiro, seus personagens marcantes e histórias relevantes, nós reproduzimos isso igualmente e ocorre meio que automático. Nossa vida também passa diante de nossos olhos num piscar de “tela”. Faça o teste ao ver este final. Filosofe. Trata-se de como poderíamos viver nossos “pequenos bons momentos” e de como prosseguir. Sei que não há fórmula, mas a série tenta dar uma mãozinha.

As maravilhas realizadas no 1º e 2º ano junto a excelentes roteiros que se seguiram, além de season finales memoráveis, foram suficientes para nos envolver nisso tudo. Não escreverei sobre uma atuação diferenciada em destaque, porque todos foram uníssonos. Mas a trilha mimetista do show e, mais precisamente dos dois últimos episódios, merece todos os aplausos. Deixará saudades também. Baixe-as, busque as músicas, tome boas bebidas, curta a vida, esteja perto dos teus, a trilha é sobre isso, contemplação vital. Saibamos como devem ser dados os bons diálogos para que as relações perseverem, prosperem. Se eu pudesse, pararia o programa no momento em que Kevin põe na vitrola a magnífica e genial artista Joni Mitchell, em que nos lembramos deliciosamente da visita de Rebecca à casa da própria cantora. E que nossas atitudes, convivências e conexões façam sim sentido, como um desolado Randall bem salienta ao final.

Adeus, chorando, a você, This is us. Obrigado.