Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis
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8.8

Onde: Cinemas

Parece que foi ontem que vi a notícia de Kevin Feige anunciando Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis. Eu só pensava: “que é isso? Shang-o quê? Cadê os heróis da Marvel de verdade?”. Parece até que não aprendi nada ao longo desses 13 anos desde o lançamento do primeiro filme do Homem de Ferro. Aliás, se voltarmos lá em 2006/2007, quem era Tony Stark para o grande público? Guardiões da Galáxia? Homem-Formiga, Doutor Estranho, Gavião Arqueiro, Capitã Marvel e até mesmo o Pantera Negra eram conhecidos pelos amantes de quadrinhos e olhe lá. Depois da tentativa frustrada de contar uma história de artes marciais com a péssima Punho de Ferro, na Netflix, a Marvel voltou os olhos para outro personagem “lutador”, o Mestre do Kung-Fu.

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é uma modernização do personagem das HQs, tornando o herói mais próximo do Universo Cinematográfico da Marvel, do que das vezes de Bruce Lee, que tinha nos quadrinhos. No filme, após uma infância e adolescência traumáticas com os treinamentos impostos pelo pai, o Mandarin, líder do grupo Dez Anéis (que aparece lá no primeiro Homem de Ferro), Shang-Chi vai viver nos EUA. Depois de sofrer um ataque, decide procurar a irmã e enfrentar o pai. Resumindo, a história do filme é basicamente uma jornada clássica de herói, daquelas que já vimos em praticamente todas as produções de origem da Marvel. E isso tem um lado bom e outro ruim.

O bom é que mais uma vez (e isso realmente me impressiona) a Marvel acertou em cheio na escalação do elenco. Simu Liu (de Kim’s Convenience) é o protagonista perfeito: carismático e disposto para a ação. Ao seu lado, a incrível Awkwafina (de A Despedida e Podres de Rico) rouba praticamente todas as cenas, sendo um alívio cômico, mas que ajuda o herói a andar para frente na história. O Mandarin é interpretado por Tony Leung (de Amor à Flor da Pele e Desejo e Perigo). Além deles, praticamente todo o restante do elenco é formado por atores de origem asiática, tendo ainda a participação da sempre ótima Michelle Yeoh (O Tigre e o Dragão).

Também para o lado bom da coisa, a equipe envolvida na produção do filme é, em sua maioria, de origem asiática. Ou seja, a forma de contar a história com elementos do cinema da Ásia também está presente. Seja nas cenas de luta sensacionais, que lembram os filmes do início da carreira de Jackie Chan, seja no balé dos voos e rodopios das “lutas poéticas”, na trilha sonora e até no drama familiar e de vingança. As primeiras cenas do Mandarin em Ta Lo são lindas, assim como as lutas de Shang-Chi no ônibus e em Macau são fantásticas.

Entretanto, o filme, como outras produções da Marvel, erra ao não explorar o que tem nas mãos, pelo puro favorecimento do “espetáculo”. A trama e as motivações do Mandarin são interessantes, seu plano não é o simples vilão-mau-dominando-o-mundo. O problema é que o porquê acaba sendo fraco, sem tempo de tela para mostrar isso e sem criar aproximação com o espectador. O mesmo pode ser dito das motivações de vingança do protagonista. Ou seja, mais uma vez, a Marvel deixa escapar algo promissor pela luta gigante, o final apoteótico e barulhento. Sim, eu sei que no final das contas é tudo uma grande peça de marketing que precisa vender bonecos e ingressos. Mas depois de mais de 20 filmes, o estúdio pode se dar ao luxo de arriscar mais.

Com Shang-Chi, a Marvel já entra em campo com o mercado ganho. É fato que o filme será um sucesso internacional. Podres de Rico, uma comédia-romântica (e ótima) já provou isso. Outros filmes, como Velozes e Furiosos, também já mostraram que o grande público internacional adora cenas gigantes de ação. E é aquilo: (quase) todo mundo ama a Marvel. Então, nesse terreno, o filme não tem como dar errado. Agora, é no terreno da representatividade que a produção entra de cabeça e marca um golaço. Em uma época que ainda vivemos uma onda de ódio aos asiáticos, ocasionada por líderes estúpidos e seguidores cegos, é incrível ver como um filme de alcance tão grande, não tem vergonha dos seus protagonistas. Pode-se dizer que o movimento de representação de Shang-Chi está no mesmo nível que foi Pantera Negra. Uma representação que até pouco tempo era apenas de papéis cômicos e pejorativos para atores asiáticos.

E, se a Marvel pode apostar alto desse jeito, com um novo Vingador asiático, ela também pode apostar que o público está pronto para ver coisas diferentes. A tal “fórmula Marvel” que tanta gente gosta de citar para falar mal da produtora, ainda parece uma sombra no mundo pós-Ultimato do MCU. Mas Shang-Chi nos mostra que é possível arriscar em determinados pontos, trazer elementos diferentes e empolgantes. Todavia, eles não devem ficar presos ao primeiro e segundo ato. É preciso fechar com chave de ouro. Com aquele golpe voador que todo bom lutador sabe dar. Shang-Chi e Simu Liu teriam plena capacidade para isso. Só faltou arriscar mais.