“MO” (2022), de Mo Mustafa Amer e Ramy Youssef
8Pontuação geral
Votação do leitor 2 Votos
9.0

Onde: Netflix

 

A Netflix em parceria com a A24 lançou no mês passado essa deliciosa comédia, “Mo”, que, além de transitar por dramas geopolíticos bastante atuais, consegue realizar algumas piadas ácidas e ainda volta bem ao tom pastelão da história do comediante (vida real) Mohammed “Mo” Mustafa Amer. Com um elenco de fato mesclado, como um dos temas abordados aqui, a trama é fictícia, mas “Mo” se comunica de certa maneira com a vida de Amer, um refugiado palestino que enfrenta o constrangimento social e o preconceito eterno em buscar de um lar, seja ele como for. Claro que a veia cômica acelerada de Amer faz tudo ficar engraçado.

Aqui seguimos Mo Najjar, um palestino que vivia no Kuwait até 1991 e que, devido à terrível Guerra do Golfo, foi compelido a se refugiar nos Estados Unidos com sua família. Seu pai não conseguiu chegar à América do Norte. Não bastasse toda questão geopolítica da Palestina junto à ONU (não possuem um território oficial até hoje), Mo e sua família passam por diversos testes de vida quase todos os dias para conseguir um sossegado lar. Eles não possuem documentação e vivem fugindo de autoridades e de problemas para que não tenham de enfrentar todo o episódio de terror de anos passados novamente.

Paralelo a isso, a família Najjar possui advogados trapaceiros que “ajudam” palestinos a tentarem seu tão sonhado documento legal ou mesmo um asilo. Muitas vezes atrapalham. Isso sim. A dramaturgia da série aqui se comunica com inúmeros refugiados mundo afora que tentam encontrar um lar pelos quatro cantos do planeta e não lidam apenas com preconceitos, mas com burocracias severas de adaptação e às vezes – em suas dificuldades – são realmente relegados à marginalidade. Todos são vítimas de conflitos fundamentalistas, territoriais ou mesmo que, até hoje, explorem suas riquezas. E obviamente a figura do advogado desonesto enganador surge aqui como um bom esteriótipo – se assim pudermos grifar – com boas risadas, pois eles existem.


A COMÉDIA DE MO

Tudo em “Mo” é motivo para a clássica piada ácida e que gera por vezes o embaraço que faz bem a esse tipo de gênero. Tem o já conhecido tom pastelão também. Temas mais delicados são tratados com maestria por Amer. Ele aguenta bem e faz algo tranquilo com aquilo que é seu drama social e pessoal. Os temas que permeiam um palestino desterrado são guiados com humor e com algum traço responsável também: como religião, moradia, assistência social, racismo, preconceito, choque cultural, entre outros.

O muçulmano Mo leva sua vida em Houston, no Texas, um estado visto como bastante conservador, mas que é de fato cosmopolita e tem uma mescla de pessoas imensa e interessante. Piadas envolvendo um casamento que nunca amadurece (com sua noiva católica e mexicana), além da venda de produtos falsos para sobrevivência ganham destaque. Assim como em seu show de stand up comedy da Netflix, Mo está sempre agitado, bufando, correndo, atarefado e tentando fazer mil coisas ao mesmo tempo.

Os criadores aqui – o próprio Mo Amer e Ramy Youssef – propõem por meio de sua escrita cômica, com um texto competente, que desviemos nosso olhar para esse povo. A xenofobia galopa numa escalada assustadora pelo planeta, e são diversos tipos, seja veladamente ou grosseiramente escancarada. A falha do show aqui consiste apenas no não aprofundamento de certas situações apresentadas. Mo poderia gastar mais alguns minutos para se aprofundar sobre assuntos burocráticos ou mesmo religião. Entendo que há muito pouco tempo para tanta problemática, além de um malabarismo bem realizado para não se afastar das piadas ácidas.

O final chega fatalmente estereotipado ao espectador, mas funciona com esse tipo de comédia. Mesmo que a série se envolva com o cartel mexicano em seu final, dispersando um pouco do mote dos primeiros episódios, ela mantém seu constrangimento social num alarme satisfatório (agora com mexicanos também). Mo é e deve ser devorada. O cara é agradável e cativante. Facilmente uma obra dessa, que lida com leveza sobre assuntos tão profundos (mesmo que com a acidez de algumas piadas), se torna necessária sim. E a seu lado tem o fato de que seus episódios duram cerca de 25 minutos.