"The Whale" (2022), de Darren Aronofsky
6Pontuação geral
Votação do leitor 4 Votos
8.8

Onde: Cinemas em janeiro

 

Darren Aronofsky nunca foi o tipo de diretor que deixa o espectador confortável na frente de um dos seus filmes. É assim com a loucura das drogas em Réquiem para um Sonho, a estranheza narrativa de Árvore da Vida, a decadência e busca por redenção de O Lutador e no thriller psicológico de Cisne Negro. Todos esses filmes têm o mérito de usar os elementos que fazem um filme ser “um filme” para inserir o espectador da narrativa. Doa a quem doer. Edição, design de produção, fotografia, trilha… todos têm seus méritos. Mãe! também pode entrar nesse bolo, mas ainda é, junto com Noé, uma das peças mais problemáticas da filmografia do diretor.

Quando foi anunciado que Aronofsky dirigiria The Whale, filme sobre um homem de mais de 300 quilos, que tenta uma última aproximação com a filha, tudo parecia caminhar para que voltássemos a assistir uma obra impactante do diretor. Em adição, o filme ainda traria para os holofotes, depois de muitos anos sem o mérito devido, Brendan Fraser.

E o ator faz jus ao esperado e é o grande acerto do filme. Colocado de escanteio depois de denunciar casos de assédio em Hollywood, Fraser passou os últimos anos fazendo aparições em TV, teve uma participação em Nem um Passo em Falso, de Steven Soderbergh, e é um dos protagonistas da série da DC Comics, Patrulha do Destino.

O BALEIA 

Em The Whale, Fraser é a peça perfeita para dar vida ao professor Charlie. Depois de uma tragédia, Charlie se isola em casa e passa a engordar e viver cada vez mais sedentário. Sem poder sair, mal conseguindo se locomover, Charlie tem na expressão facial e no olhar seu maior canal de comunicação. Fraser, conhecido pelo seu lado bom moço, traz uma ternura e uma verdade no arrependimento de Charlie, que envolve o espectador. Seu relacionamento com Liz, a ótima Hong Chau, é genuíno.

Outro grande acerto para a criação do personagem é a questão da aparência de Charlie. Fraser ganhou muitos quilos, mas a mistura entre maquiagem e CGI para criar a obesidade do personagem é impressionante. Fraser nunca parece um ator dentro de uma roupa de látex, como Gary Oldman em O Destino de uma Nação, por exemplo.

 

Entretanto, os pontos realmente positivos do filme param por aí.

Aronofsky perde uma grande oportunidade em criar: ou um conto de terror com a situação, com Charlie se sufocando no próprio corpo, ou então um drama de enclausuramento. Baseado em uma peça teatral, o diretor deixa de lado qualquer composição mais criativa para mostrar essa pressão que o personagem vive, para apenas situá-lo na sala de estar praticamente o tempo todo. Existem cômodos na casa que poderiam ser muito mais bem explorados, tanto fisicamente quanto para o lado psicológico do personagem. Entretanto, Aronofsky prefere utilizar o fácil e chocar pelo lado mais óbvio: a comida.

Sadie Sink interpreta Ellie, a filha de Charlie, e não tem muito o que fazer aqui além de repetir os mesmos cacoetes da Max, de Stranger Things, em uma versão com mais palavrões. A trama envolvendo Thomas, um missionário que bate na porta de Charlie, é fraca. A discussão sobre o papel da fé na vida do protagonista e do próprio personagem interpretado por Ty Simpkins nunca se aprofunda e é resolvida com a mesma velocidade que aparece na trama.

The Whale tinha o potencial de ser um grande filme. Uma discussão sobre perder a fé em si mesmo, sem nunca perder a humanidade. Ou então, um terror sobre a nossa própria consciência degradando o corpo e a saúde. Falha ainda no design de produção, na fotografia e na trilha sonora. Entretanto, Charlie e Fraser salvam The Whale pelo olhar e pela ternura que passam. Se Aronofsky não consegue nos chocar – e ele tenta! –, pelo menos Fraser consegue nos fazer ficar tristes e torcer para que Charlie chegue ao fim da jornada.