Onde Assistir: Prime Videos
7Nota da Hybrido
Votação do leitor 2 Votos
7.0

Assim como Richard E. Grant demora alguns intermináveis segundos para finalmente começar a falar no início de Dispatches from Elsewhere, quem atravessa essa aventura um tanto psicodélica também precisa de alguns segundos para processar tudo o que acabou de assistir. É como se entrássemos no buraco do coelho apressado de Alice e nos deparássemos com o universo de Pushing Daisies que, nesse caso, só poderia ser coisa de alguém como Michel Gondry (Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, Sonhando Acordado). Entendeu? Bom, eu duvido que eu tenha me feito entender e, se o fiz, foi sem querer, logo volte e leia tudo outra outra vez.

A grande verdade, no entanto, é que se trata de um grande e intrigante delírio dramático de Jason Segel (How I Met Your Mother), criador e roteirista da série, numa honrosa tentativa de responder a uma questão básica: você sente que falta algo importante em sua vida? O projeto é ambicioso e o começo é promissor, com Richard E. Grant (Poderia Me Perdoar?, A Ascensão Skywalker) se apresentando como Octavio Coleman, Adv., e se revelando o narrador da trama, e já com uma promessa de que a estrutura narrativa será completamente desconstruída em função da objetividade.

Gente como a gente

A primeira aposta de Dispatches é na empatia. Os primeiros quatro episódios apresentam os quatro co-protagonistas da série – Peter (Jason Segel), Simone (Eve Lindley), Janine (Sally Field) e Fredwynn (André Benjamin a.k.a Andre 3000, ele mesmo, o vocalista do Outkast) – que são anunciados por Octavio com o invariável convite: “Pense no Fulano ‘como você’, se a sua vida é…” A estratégia soa atraente nos primeiros momentos, mas se revela repetitiva quando percebemos que estamos testemunhando os mesmos acontecimentos pela segunda, terceira e quarta vez, mudando apenas a perspectiva de acordo com o personagem em questão. Já não cumpriu direito a primeira promessa…

Uma vez reunido, o quarteto se vê em meio a uma frenética gincana pelas ruas da Filadélfia, retratada por uma fotografia incrível. Inspirado no documentário The Institute de Spencer McCall (2013) que concatenou 10.000 participantes numa corrida estilo caça ao tesouro pelas ruas de São Francisco entre 2008 e 2011, Dispatches submete nossos heróis a uma caçada elaborada, com charadas complexas, quebra-cabeças complicados e tarefas insanas – como dançar na rua com um Pé-Grande – para que se obtenha  a próxima dica. A despeito de acreditarem ou não na veracidade das informações que lhes chegam na forma de mensagens (ou “despachos” como se falava nas antigas repartições públicas) vindas de dois institutos diferentes e concorrentes entre si, cada um dos protagonistas infere um novo significado às suas respectivas vidas, percebendo então um mundo mais incrível que o seu próprio. Nessa nova realidade, suas vidas não são mais vazias e, ainda melhor, estão conectadas entre si.

Muita informação e muita filosofia

Os arcos dramáticos são claros, simples e bem desenvolvidos, a despeito da psicodelia da narrativa, que se esforça demais em surpreender e filosofar. Peter é o trabalhador do cubículo da start-up que deseja apenas se sentir importante ou especial. Simone é a doce estudante de Belas Artes ávida por aceitação, tanto de si mesma quanto da sua transsexualidade. Janice é a senhorinha adorável, com uma baita experiência de vida que odeia ver diminuída por quem lhe rotula como “apenas uma dona de casa”. E Fredwynn é o controlador compulsivo, que se entende melhor com os dados do que com as pessoas e que vê em tudo uma conspiração do governo.

Jason Segel e seus colaboradores (entre eles Mark FriedmanUma Noite no Museu 3, Wayward Pines) apostam tudo no storytelling e usam até desenhos animados para incrementar a narrativa. Acertaram especialmente ao tratar o arco da Simone de forma simples e tocante, dando zero destaque para a transsexualidade como um evento: ela é uma mulher como outra qualquer. Algumas soluções também merecem aplausos, como o desenho animado que só se revela quando se pedala uma bicicleta específica ou uma visita em realidade virtual à festa de casamento da Janice. Alguns personagens recorrentes acabam incorporados à trama e, em vários momentos, temos a clara impressão de que tanta informação pode levar a lugar nenhum. E chegamos à reta final da temporada com um festival de soluções questionáveis e filosóficas para encerrar os mistérios levantados e conduzir à resposta almejada para o vazio existencial de cada um. O episódio final em especial é tão peculiar que parece desconectado de todo o resto da narrativa, recorrendo à meta-explicações e meta-níveis para fazer sentido com o todo.

Reconheço que Dispatches From Elsewhere subverte completamente as expectativas com uma trama intensa e cativante que se traveste de excêntrica para, no fundo, promover a empatia, a aceitação e a real conexão entre as pessoas.