Se Zona de interesse, recém ganhador do Oscar de Melhor Filme Internacional, se destaca por focar na covardia absurda, na falta de humanidade diante de um cenário hediondo como o holocausto, em “Uma Vida: a história de Nicholas Winton”, temos o contraponto, com a exaltação da potência do exercício da empatia e pró-atividade humanas, em meio à barbárie instaurada pelo nazismo. Baseado em fatos reais, o filme marca o encontro de dois “Sir”.
Sir. Anthony Hopkins interpreta Sir. Nicholas Winton (apelidado carinhosamente de Nicky Winton).
A história começa pelo personagem jovem (interpretado nesta fase por Johnny Flynn), ainda corretor da Bolsa de Valores britânica que, em 1938, vai a Praga a convite de seu amigo Martim Blake, que atuava como membro do comitê Britânico para Refugiados.
Quando Nicholas chega a cidade, se depara com uma Praga recém invadida por Hitler, em que a perseguição aos Judeus tomava formas cada vez mais aceleradas e, como consequência, com uma enorme quantidade de crianças já desamparadas ou em risco, submetidas a condições desumanas de sobrevivência.
Winton então toma a frente de um projeto de Kindertransport, para transportar crianças judias, como refugiadas, para Londres. Junto com seus amigos e a ajuda essencial de sua mãe (interpretada por Helena Bonham Carter), ele organiza a liberação de vistos e o embarque de muitas crianças judias rumo à Londres.
Ele retorna rapidamente a Londres e começa a organizar o projeto, reunindo dinheiro, apoio e famílias dispostas a acolher as crianças refugiadas.
O Kindertransport foi uma operação de resgate de crianças e outras vítimas do regime Nazista que foi organizado por grupos e organizações judaicas, em colaboração com o Governo Britânico.
Essas operações ajudaram a salvar cerca de 10.000 crianças, que foram enviadas para o Reino Unido.
A narrativa intercala dois lapsos temporais: o passado, em 1938, através do qual acompanhamos o corajoso jovem Nicholas Winton (Johnny Flynn) na elaboração e execução de seu plano; e no futuro, em 1988, em que vemos um Nicholas Winton já idoso, melancólico, sem saber como lidar com os resquícios de suas memórias e documentos.
Apesar de diferentes momentos do personagem, a essência da persona de Nicholas converge no que diz respeito à generosidade, compaixão e teimosia para com seus objetivos, características que lhe permitiram organizar o complexo plano estratégico que resultou na salvação de 669 (seiscentas e sessenta e nove) crianças da morte. Poderiam ter sido mais, caso o último trem não tivesse sido interceptado por soldados nazistas.
Uma das grandes dificuldades da roteirização de histórias reais é justamente a escolha do recorte, do que será mostrado na história. No que diz respeito à Nicholas, há um dado marcante, justamente pela forma como sua história ganhou notoriedade.
Sua história permaneceu desconhecida por 50 anos, tendo sido somente revelada a público em 1988, através de um famoso programa de televisão que, de surpresa, proporcionou o reencontro de Nicholas com as crianças (já adultas) salvas por ele.
James Hawes, diretor do filme, optou pela reconstituição do momento catártico, fundamentando o mesmo na atuação sublime e impecável de Anthony Hopkins, que não nos deixa outra possibilidade a não ser nos debulharmos em lágrimas.
Se o final é realmente deslumbrante, o ínterim do filme se constrói de forma frágil, em um roteiro pontuado e por vezes didático, que parece girar somente em prol da esperada glorificação catártica final.
A exceção à isso é a presença de Helena Bonham Carter, que faz a mãe de Nicholas em sua fase jovem e que tem tempo e talento suficientes para apresentar uma mulher forte e obstinada a ajudar seu filho a fazer justiça.
Sabemos que o velho Nicholas tem dificuldades de lidar com a culpa e o ressentimento de não ter conseguido trazer todas as crianças que pretendia. A frustração de que poderia ter feito mais permeia sua existência. Apesar da atuação de Hopkins, essa informação é apontada pela personagem da esposa de Nicholas, que exerce uma função basicamente expositiva. Nesse sentido, os parceiros de seus atos revolucionários, os que ajudaram Nicholas na execução do ato em si, e portanto, colocaram suas vidas em risco, também não possuem tempo suficiente para que estabeleçam, tanto uma conexão entre si, quanto com o espectador, ficando resumidos também à parte histórica.
Desta forma, fica clara a intenção do filme em se concentrar no que realmente importa – o fato em si. Na verdade, ainda no que diz respeito ao didatismo do roteiro, essa é uma afirmação reverberada pelo personagem de Anthony Hopkins que, por diversas vezes, afirma que a história não é sobre ele.
Nesse sentido, o filme vale por reconhecer a história, verdadeira e absolutamente extraordinária, da potência do ser humano como agente, nos lembrando que, assim como é imprescindível falarmos sobre os absurdos históricos causados pela falta de humanidade, para evitarmos que a história se repita, é tão imprescindível quanto que atos como o de Nicholas Winton sejam ressaltados e ovacionados, pois são estes que elucidam o verdadeiro alcance de nossas atitudes e escolhas, como indivíduos e como sociedade.
One Life 2023 Trailer Legendado
One Life 2023 Trailer legendado em português Br. Direção: James Hawes. Artistas: Helena Bonham Carter, Anthony Hopkins, Lena Olin, Jonathan Pryce. Sinopse: Acompanha o humanitário britânico Nicholas Winton, que ajudou a salvar centenas de crianças da Europa Central dos nazistas às vésperas da Segunda Guerra Mundial.