O Oscar de 2021 é marcado por uma temporada do cinema marcada sob os efeitos da pandemia, onde a maioria dos filmes foi visto ou encontrado por todos através da internet, pela impossibilidade de ir aos cinemas, ou pelos grandes riscos de encarar as salas nesse período sanitário gravíssimo que vivemos.

Em cima disso, podemos dizer que a leva dos filmes indicado ao Oscar foi muito boa na média, e com interseções interessantes em temáticas, em sua maioria como painel expositivo de questões sociais, de saúde e sobre convicções. E me baseio nisso neste artigo, sobre as importâncias de cada filme dentro do que foi realizado com suas temáticas.

Começo com as questões sociais, presente em pelo menos metade das produções indicadas a melhor filme no Oscar deste ano, e que trouxeram um peso interessante nos debates cinéfilos sobre estes filmes. “Os Sete de Chicago” (2020, de Aaron Sorkin) e “Judas e o Messias Negro” (2021, de Shaka King) se destacam por se basearem em cenários reais, um sobre um julgamento famoso sobre direitos individuais e de liberdade de expressão por parte dos movimentos sociais e seus atores sociais em diversas camadas diferentes, e o outro sobre um recorte específico dentro do movimento negro junto à organização revolucionária dos Panteras Negras, sobre liderança e a ruptura do discurso pelo Estado e pelo capital, não necessariamente nesta ordem.

Se “Os Sete de Chicago” opta por uma abordagem quadrada e dentro do formato de produção tradicional dentro do gênero de “filmes de tribunal”, com um grande trabalho de elenco que tenta sustentar as limitações dramáticas da encenação do texto de Sorkin dentro do contexto de seu filme, e que demonstrou que o diretor Soekin ainda não se estabelece no mesmo patamar do roteirista Sorkin. Já “Judas e o Messias Negro” sabe beber bem o padrão do filme de biografia do Oscar, estabelecendo sua própria voz e enfoque dentro de uma unidade fílmica interessantíssima e com dois grandes atores negros em seu auge, Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield, ambos indicados ao Oscar por suas interpretações.

Stanfield no filme é o elemento central que mostra como a falta de coesão num movimento setorial pode desmanchar grandes propostas ideológicas, e como um indivíduo com pretensões de se encaixar numa sociedade que o reprime em todos os níveis se sujeita ao pior dos papéis frente aos seus pares étnicos para ter este selo de pertencimento dentro de uma sociedade desigual, e como tudo isso ainda é atual.

Pertencimento social e o pêndulo econômico que move identidades e aceitação ou não ao mundo vigente move e comove espectadores através de “Nomadland” (2020, de Chloe Zhao) e “Minari: Em Busca da Felicidade” (2020, de Lee Isaac Chung), o primeiro o grande favorito ao maior prêmio deste ano no Oscar, através do retrato de um Estados Unidos atual onde a desigualdade social e econômica transforma seu próprio povo em itinerantes, estrangeiros em sua própria terra comandada por um novo modelo econômico, frio e impessoal, por onde a protagonista interpretada por Frances Mc Dormand navega ao longo do filme numa encenação neorealista muito bem composta pela favorita ao Oscar de melhor direção, Chloe Zhao. Já “Minari: Em Busca da Felicidade” nos faz revisitar um Estados Unidos esperançoso tanto aos americanos como aos estrangeiros, aqui representados por uma família coreana que busca se integrar ao sonho americano do empreendedorismo norte-americano, e como o contexto que se impõe aos sonhos desta familia estrangeira é tão familiar e parecido com o que vivemos atualmente.

A frieza e implacabilidade do capitalismo é parelho tanto em “Nomadland” como em “Minari: Em Busca da Felicidade”, e se “Nomadland” se fortalece no sentimento dentro de um mundo amplo, vazio e frio, em “Minari: Em Busca da Felicidade” vemos a força da integração afetuosa de uma família dentro de um contexto implacável para a busca do sucesso reconhecido nos Estados Unidos, e como este sucesso verdadeiro já se estabelecia ali naquele núcleo dramático dentro de sua própria cultura e antropologia familiar.

O tema das limitações do corpo frente aos desafios internos também é muito bem representado dentre os indicados a melhor filme, e são as minhas duas produções favoritas nesta leva, “O Som do Silêncio” (2019, de Darius Marder) e “Meu Pai” (2020, de Florian Zeller). O “Som do Silêncio” nos leva à jornada de autoconhecimento de um baterista enfrentando a surdez progressiva e incurável que o acomete de repente, e como sua adaptação a uma nova vida o leva a conhecer melhor a si próprio e se tornar uma pessoa melhor, onde Marder trabalha a edição de som, montagem, fotografia e o trabalho de elenco numa sinergia delicada e impactante, que o faz merecer todo o reconhecimento nesta temporada de prêmios.

Já “Meu Pai” nos traz uma abordagem de encenação teatral com texto clássico e trabalho de atores com profundidade e demarcados pelo texto, mas que são mergulhados no impecável design de produção do filme que nos coloca dentro da cabeça do protagonista interpretado por Anthony Hopkins (que injustamente não ganhará o Oscar de melhor ator em nome de uma homenagem póstuma à Chadwick Boseman), e nos faz enxergar através dos olhos de um confuso idoso acometido pela demência senil que não reconhece ou se reconhece dentro das idas e vindas de sua memória.

Como uma espécie de oposto a estes dois tratados dos desafios humanos com suas próprias barreiras, os dois outros filmes restantes, “Mank” (2020, de David Fincher) e “Bela Vingança” (2020, de Emerald Fennell) nos traz diferentes enfoques da convicção de uma mente através de suas obsessões, o primeiro através de um roteirista que luta para levar sua história às telas e por seu reconhecimento autoral neste trabalho, e o segundo através da obsessão de uma jovem em levar a cabo uma vingança em honra de sua amiga assassinada e contra a impunidade de seus assassinos, representantes de uma violência de gênero muito mais ampla.

“Mank” aposta numa estilização perfeccionista de uma época diferente do mundo e do cinema como um todo, mas sem rechear todo aquele contexto de discussão do autorismo no cinema de drama e de uma composição equilibrada de todos seus componentes narrativos, sendo assim um filme meramente descritivo onde o incômodo não vem dos desafios dramáticas do protagonista, e sim do tédio proporcionado pela sua composição narrativa. Já “Bela Vingança” expõe toda a visão crítica, ácida e sarcástica com o gênero de “revenge porn” do cinema norte-americano, com elementos estéticos pop que explodem na tela a cada objetivo alcançado pela protagonista em sua jornada obsessiva pela vingança – e como na verdade ela é um morto-vivo que não pode mais absorver qualquer lição para além do saciamento de sua convicção doentia, muito bem representada pela ótima Carey Mulligan.

Apesar da realidade consolidada de premiações via “calls” sem o calor do que veremos domingo, ou sem o palco que estes bons filmes mereciam nas grandes telas nas salas de cinema distanciadas de nós por este vírus maldito, a tradição da maior premiação do cinema hollywwodiano merece o peso que conquistou em anos de cerimônias, e que seja mais um passo da valorização do cinema, mesmo que não da forma a qual foi concebido originalmente – mas adequado às novas formas de consumir cinema que vêm das novas gerações. A cultura segue viva, mesmo de novas formas.

 

AVALIAÇÕES DOS FILMES EM ORDEM DE PREFERÊNCIA DO AUTOR DO TEXTO:

“Meu Pai” – ⭐⭐⭐⭐⭐

“O Som do Silêncio” – ⭐⭐⭐⭐1/2

“Nomadland” – ⭐⭐⭐⭐1/2

“Minari: Em Busca da Felicidade” – ⭐⭐⭐⭐1/2

“Judas e o Messias Negro” – ⭐⭐⭐⭐1/2

“Bela Vingança” – ⭐⭐⭐⭐1/2

“Os Sete de Chicago” – ⭐⭐⭐⭐

“Mank” – ⭐⭐⭐