Alexandre AlmeidaOnde: Mubi e Cinemas
Mais ou menos na marca de 40 minutos de Drive My Car, algo inesperado acontece: os créditos do filme aparecem. Isso é imprescindível para o que aconteceu até aquele momento no filme de Ryusuke Hamaguchi. Esse quase um terço da história é apenas uma introdução para a jornada de ressentimento e luto que passaremos.
As longas três horas de duração do filme são lentas, cadenciadas pelo dia a dia e o estado mental de Kafuku, ator e diretor de teatro, interpretado pelo excelente Hidetoshi Nishijima. No prólogo de Drive My Car, vemos a vida que Kafuku levava dois anos antes do resto da trama e, principalmente, temos tempo para sentir a dor do personagem quando duas (até três!) situações acontecem em pouco tempo.
Adaptando o conto de Haruki Murakami, Drive My Car ganha muita força com a introdução de Misaki, a motorista de Kafuku. A dinâmica dos dois poderia descambar para um Conduzindo Miss Daisy, mas não se atem em ser um amizade ou um interesse maior. Eles são parte de uma mesma dor. A dor da perda, da solidão, de um sentimento que não vai passar nunca, uma culpa que sempre carregarão.
O ponto alto de Drive My Car é a cena entre Kafuku e o ator principal da montagem que ele está dirigindo. Ambos estão dentro do carro, no banco de traseiro. Dois homens carregados por uma mulher, duas histórias que convergem no sentimento por outra, a verdade sendo exposta e ambos encarando a câmera. O texto é incrível, a atuação dos dois é impecável, e enfim temos respostas e a reação de Kafuku para algo entalado na garganta. O cigarro entre o diretor e Misaki, ao final da cena, é fatalmente uma das imagens mais bonitas do cinema nos últimos anos.
Drive My Car é lento e dolorido, como o luto e a amargura são no mundo real. Não existe tapinha nas costas ou sorriso que faça isso passar de uma hora para outra. É na auto aceitação que está a resposta. E ela nunca chega rápido. Seja no mundo real ou nas três horas de duração do filme.