Terminei a quarta temporada de “Stranger Things” tal como um consumidor voraz e ansioso que sou com séries. Falar sobre a temporada eu diria que não tem muito o que dizer de novo: segue o formulaico da turminha adolescente que conquistou novas gerações combatendo criaturas do mundo invertido em sua cidadezinha – sendo que nesta temporada essa ameaça é ancorada por uma figura demoníaca chamada Vecna, que é um mashup do bom e velho Freddy Krueger.
Além de “A Hora do Pesadelo”, o filme também bebe um pouco das referências em “Carrie, A Estranha” e muito do obscuros de obras baseadas em Stephen King dos anos 80/90 como nas temporadas anteriores. Mas o que me chamou a atenção foi a pegada atualizada da saúde mental como uma necessidade essencial para os indivíduos, bem destacada em três personagens: Hop, Eleven e Max.
Desde a temporada passada Hop é capturado e exilado numa prisão na URSS (numa caracterização bem clichê do modelo como nos filmes de ação daquela época, aliás este segmento é quase uma chanchada sofrível da Guerra Fria), e nela busca saídas mas também reflete suas relações, e sua história de vida enquanto significado a tudo que está sofrendo ali naquela condição, e sua relação como referência a uma jovem (Eleven), relacionada a uma tragédia do passado.
Já Eleven revisita seu passado de forma induzida por cientistas como resgate da sua essência perdida, que lhe fragiliza e torna alvo de bullying (uma ferramente dramática também batida em filmes e séries teens para ilustrar superação), e esse processo é utilizado para reforçar aquilo que a faz ser o que ela é de verdade, e em cima de experiências passadas construir sua fortaleza mental para superar os próximos obstáculos.
Max se torna um dos alvos de Vecna pela fragilidade de não exteriorizar seus traumas com acompanhamento profissional e nem sequer com pessoas próximas, e o vilão ataca suas vítimas exatamente por essas fragilidades que induzem ao medo através do trauma ou de experiência ruins no passado de cada vítima. Essa caracterização poderia tornar Vecna como uma representação ficcional da depressão para essas vítimas e também para seus adversários.
O gênero de terror historicamente é utilizado como válvula dramática para trabalhar questões sociais em sua melhor essência, e o que é geralmente combatido como falta de originalidade num remake, mas aqui nesta quarta temporada se apresenta como uma excelente ferramenta de atualização de debate, ainda mais considerando o perfil de público infanto-juvenil da série e como os episódios podem introduzir o tema da saúde mental com a molecada.
Se “Stranger Things” já é um modelo de sucesso popular como entretenimento via streaming, é muito interessante que utilizem esse canhão para temas essenciais para o público que consome esse conteúdo, e todos aqueles que precisam lidar com as novas adversidades de nossa sociedade, como por exemplo a depressão como mal social. A arte como conduíte de conscientização social é algo a se celebrar, mesmo que exposto indiretamente através da linguagem cinematográfica.