A vida invisível (BRA 2019)
8.5Pontuação geral
Votação do leitor 7 Votos
8.9

Celebrando a excelente fase do cinema nacional multifacetado que temos, o maravilhoso, lindo e melancólico “A vida invisível” chegou aos cinemas nacionais com brilho único. O gigante trabalho do diretor cearense Karim Aïnouz nos enche de um amor verdadeiro pela vida, ao mesmo tempo em que é paradoxalmente cheio de uma melancolia narrada de maneira primordial.

Aqui temos o que aponto brincando: uma melancolia de palco. Daqueles trabalhos dignos de se ganhar um Tony Award: prêmio máximo do teatro nos EUA. Texto e foto sempre pontuaram como sendo o forte de Aïnouz, isso de fato evidenciado nos seus “Madame Satã” (2002) e “O Céu de Suely” (2006). O diretor desta vez transfere de maneira belíssima às telonas o belo texto da escritora Martha Batalha: “A vida invisível de Eurídice Gusmão”.

Em “A vida invisível”, a fotografia é comandada pela francesa Hélène Louvart, que já havia realizado o ótimo “Lazzaro Felice” (2018). E a produção é de Rodrigo Teixeira. Este fez “Me chame pelo seu nome” (2017) e o recente “Ad Astra” (2019), além do meu favorito “A Bruxa” (2015). Ou seja, a obra se encontra nas mãos de gigantes. Tudo muito seguro.

Há momentos em que a dupla Aïnouz e Louvart nos traduzem perfeitamente o Rio de 1950. Planos gerais exímios que nos inserem naquela década. Ver a Praia Vermelha, o boêmio bairro de Santa Teresa e o Porto do Rio de Janeiro sem perceber que as filmagens e as fotos são de 2019 é um artifício narrativo magnífico. Destaque para as impecáveis tomadas naturalistas das paisagens cariocas.

A trama acompanha as vidas – de fato inseparáveis – de duas irmãs: Guida e Eurídice. Duas irmãs nascidas no Rio de Janeiro e que vivem – com afinco – a busca pelos seus sonhos. A atriz em ascensão Julia Stockler rouba o filme. Ela dá vida a uma livre Guida. Ela é intensa, apaixonada, cativante, aventureira e sonhadora. Já a também ótima Carol Duarte dá vida à igualmente sonhadora Eurídice Gusmão. Eurídice é estudiosa, focada, compenetrada e talentosa. Mas não tão livre quanto Guida.

Guida quer morar na Europa com o namorado grego. Eurídice quer ser uma notável pianista na Escola de Música de Viena. O sonho das duas enfrenta um petulante machismo que ocupa boa parte do segundo ato da narrativa e faz o espectador se revirar na poltrona.

Tal machismo hediondo começa já dentro de casa. As consequências deste sexismo fazem com que acompanhemos histórias paralelas drásticas. A melancolia aqui tão bem narrada flerta com os textos da romancista britânica Jane Austen, como li em “Orgulho e preconceito” (romance de 1813, filme de 2005).

Angústia e premiações

O segundo ato se prolonga muito depois da primeira e trágica virada. Esta teve início a partir de um fato assombroso. O vilão aqui: o seio familiar tradicional “cinquentista”. Por vezes este seio – que transborda um machismo – assola nossa sociedade ainda hoje. Após tal evento, ambas devem lidar com o resultado por anos a fio. Angustiante. Palavras a mais aqui poderiam estragar a experiência do leitor.

O texto se arrasta ainda neste segundo momento, mas nada que tire nosso olhar atento à luta das irmãs pelo maior objetivo da obra: um simples encontro. A jornada infindável das duas irmãs chega a um terceiro e curto ato maravilhoso e singelo.

Neste momento, a totalmente premiada Fernanda Montenegro surge e nos cativa com tamanha emoção. É formidável ver essa sumidade em cena. Suas expressões, trejeitos e maneirismos fizeram o espectador em minha sala se levantar – alguns em lágrimas – e aplaudir a obra por breves minutos. A querida Fernandinha realça a dignidade desta película, que segue no ano próximo sua caça ao tão sonhado Oscar nacional.

A obra de Karim Aïnouz foi escolhida por nove especialistas da Academia Brasileira de Cinema, em agosto deste ano, como nosso representante na busca pelo Oscar em 2020. O filme bateu o também aclamado “Bacurau” (2019). Ambos saíram premiados do Festival de Cannes deste ano. “A vida invisível” levou o prêmio Um Certo Olhar e “Bacurau” ganhou o troféu Prêmio do Júri.

Agora é torcer para que em 13 de janeiro de 2020, dia da escolha dos indicados ao Oscar, o filme de Aïnouz esteja entre os cinco finalistas para Melhor Filme Internacional. A cerimônia ocorre em 9 de fevereiro do ano que vem.