Onde ver: Amazon Prime Vídeo
10Nota da Hybrido
Votação do leitor 1 Voto
9.9

CUIDADO CONTÉM *SPOILERS*

Algumas adaptações ficam sim tão boas quanto a obra original. O exemplo mais recente é Good Omens, liberada no dia 31/05 no Amazon Prime. Baseada no romance Belas Maldições (Good Omens no original), escrito por Neil Gaiman e Terry Pratchett em 1990, a série é tudo o que fãs mais ávidos do livro (como eu) poderiam esperar e tem tudo para agradar uma nova audiência.

O roteiro, escrito pelo próprio Gaiman, o elenco primoroso e o culto ao livro fizeram com que as expectativas dos fãs fossem às alturas e a série entrasse no rol das mais aguardadas no ano. Dirigida por Douglas Mackinnon (conhecido por clássicos da TV britânica como Doctor Who, Sherlock e O Escocês Voador), tendo Michael Sheen e David Tennant como protagonistas e contando com o talento de Jon Hamm (Arcanjo Gabriel) e Michael McKean, Good Omens ainda tem a participação especial de Bennedict Cumberbatch (Satã), Mark Gatiss (Mr. Harmony) e Brian Cox (Morte), além da voz de Frances McDormand, duas vezes vencedora do Oscar, como Deus.

Na trama, o anjo Aziraphale (Sheen) e o demônio Crowley (Tennant) constroem uma controversa amizade durante sua estadia milenar na Terra. Eles se afeiçoam aos humanos, seus defeitos e qualidades, e percebem que o iminente fim do mundo, na prática, pode não fazer tanto sentido quanto pregado pelas divinas profecias tidas como inefáveis, tanto no céu quanto no inferno.

Numa inesperada comédia de erros que envolve freiras satânicas, caçadores de bruxas, bruxas e os quatro cavaleiros do Apocalipse, eles questionam o propósito do fim do mundo e acabam por se unirem ao Anticristo – Adam, uma criança de 11 anos que não faz ideia de sua identidade divina – para evitar o armagedom.

Neil Gaiman ao assumir também os roteiros deu um plus à mini-série

É possível acreditar que houve um capricho especial nesta adaptação, possivelmente devido ao fato de Gaiman ser o roteirista de todos os seis episódios e, assim, de serem suas as decisões sobre o que levar ou não à tela. E tudo o que é importante está na série: o ritmo acelerado do romance, a perfeita combinação do humor sombrio e ácido do excêntrico Crowley com a simplicidade cômica do ingênuo Aziraphale; a inicial sagacidade criativa de Adam e seus amigos (os Eles), assim como as acidentais mudanças no mundo que o jovem Anticristo provoca sem se dar conta; as profecias – estas sim certeiras – da bruxa medieval Agnes Nutter; a patetice disciplinada e crédula do Sargento Shadwell; e a trilha sonora (super anos 90) baseada no que Crowley ouve em seu Bentley: uma coletânea do Queen.

Como bônus, temos flashes dos encontros de Aziraphale e Crowley através dos tempos (incluindo uma explicação bem satisfatória para a inexistência dos unicórnios), um desfecho mais trabalhado que ficou bem interessante para a TV e me agradou bastante como fã (o que pode não acontecer com os mais puristas). Para não dizer que não senti falta de nada, as confusões mentais do Cão do Inferno entre o que ele sabia ser seu destino e no que ele se transforma após encontrar Adam seriam bem divertidas de se ver na TV.

Michael Sheen e David Tennant brilham na mini-série da Amazon Prime

Apesar de ser um tema recorrente nas telas, o Armagedom de Gaiman e Pratchett é singular por vários motivos. Primeiro, pelo lirismo cômico e frenético da narrativa ambientada numa produção que traz a nata da mais clichê estética britânica. Além disso, mesmo com a diferença de trinta anos entre o livro e a série, a desculpa perfeita para o apocalipse segue sendo a incapacidade humana de cuidar do planeta. Da mesma forma, a corrida armamentista saiu da Guerra Fria e ganhou novos atores do atual sistema internacional e, asssim, o argumento da série segue pertinente.

A química do elenco, principalmente dos protagonistas, é fundamental para retratar os altos e baixos do bromance entre os dois e ditar a dinâmica da série. Após assistí-los em ação, é praticamente impossível imaginar outros rostos para Crowley e Aziraphale que não seja David Tennant e Michael Sheen. E, finalmente, devido à morte de Pratchett em 2015, transformar Belas Maldições em uma obra audiovisual acabou por se transformar no último desejo do escritor e coube a Gaiman cumprí-lo. Inclusive tem um tributo a Pratchett na livraria de Aziraphale. Ele deve estar feliz, onde estiver.