Onde ver: Netflix
8.5Nota da Hybrido
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9.3

Dia desses estava sem saco de peneirar minhas próprias escolhas e pedi no twitter sugestões de séries para assistir. Dois amigos recomendaram O Método Kominsky. A princípio fiquei ressabiada pois eu não havia visto nenhuma chamada dessa série. Do que eles estavam falando? E eis que me deparo com Michael Douglas e Alan Arkin numa série de Chuck Lorre. Pior: naquele momento a Netflix já estava lançando a segunda temporada! Onde eu estava que deixei algo assim passar batido? 

Não sei responder. Mas comecei a maratona asim que acabei de ver o trailer. E se você não conhece essa maravilha, eu acho honestamente que devia fazer o mesmo. Com duas temporadas (oito episódios de vinte minutos cada), O Método Kominsky é uma comédia sobre a masculinidade, sobre envelhecer e sobre amizade. E sim, Chuck Lorre sabe fazer comédia sobre masculinidade sem apelar para os estereótipos machistas e as piadas rasas de Two and a Half Men. 

Protagonistas pra ninguém botar defeito

Antes de tudo, O Método Kominsky conta a história de dois amigos. Sandy Kominsky (Michael Douglas) é um ator veterano que fez algum sucesso na juventude – ganhando inclusive um Tony – mas deixou o ego sabotar a própria carreira. Aos 75 anos é professor de dramaturgia num estúdio que leva o seu nome e que administra em sociedade com sua filha. Sandy no entanto nunca desistiu de verdade da carreira de ator. Norman Newlander (Alan Arkin), 85 anos, é seu seu agente e seu melhor amigo. 

É possível perceber que os papéis são incríveis mesmo que vistos isoladamente. Ambos foram construídos de forma cuidadosa, para compor a complexidade necessária a dois protagonistas que tem muita história para contar. Sandy é o mais displicente, talvez um tanto controverso. A princípio é um vaidoso incurável cujo orgulho se fere com facilidade zerando sua inteligência emocional frente às situações cotidianas mais diversas e cruéis advindas do avanço da idade. Mesmo a contragosto, Sandy se revela totalmente transparente tanto aos olhos da filha Mindy (Sarah Baker) e quanto aos de Norman. Mas é quando está à frente de seus alunos que Sandy se mostra gigante. Toda a experiência de uma vida – dentro e fora dos palcos – se canaliza para a arte e ele mostra que aprendeu muito mais das pancadas do que tenta fazer transparecer a todo momento.

Com Norman o ritmo já é outro. Mais centrado, mais elegante, mais perene. Em luto, Norman tenta disfarçar que se sente perdido num mundo acelerado que não espera por ninguém. Mas não se entrega e luta por sua sanidade em cenas tocantes onde “conversa” com sua esposa e companheira que acabara de morrer. Numa conversa sobre a dificuldade de arrumar um papel para Sandy, ele resmunga sobre os jovens não apreciarem mais as verdadeiras artes, não saberem aproveitar a saúde ou o tempo que têm e etecera e tal. As duas atuações são irretocáveis e maravilhosas mas Alan Arkin nos proporciona um deleite ímpar com seu Norman azedo e, ainda assim, adorável. E, se separados são incríveis, juntos protagonizam obviamente os pontos altos da série com sequências repletas com uma deliciosamente ácida sinceridade mútua, muita autodepreciação e, claro, total e irrestrita cumplicidade.

Coadjuvantes decepcionam sem comprometer

Se as dramédias entre Sandy e Norman são especialmente hipnotizantes, não dá para afirmar o mesmo quanto ao resto do elenco. Nas suas duas temporadas disponóveis, O Método Kominsky apresentou dois níveis de elenco de apoio. Num primeiro nível estão Mindy, Martin (Paul Reiser) – o genro – e Lisa (Nancy Travis) – a aluna/namorada – que incrementam o núcleo Kominsky, enquanto Lisa Edelstein personifica Phoebe, a mais que problemática filha de Norman. São personagens importantes mas parecem subdimensionados e, por fim, não são mais do que coadjuvantes de luxo. Phoebe por exemplo é uma mulher de 50 anos exageradamente retratada como uma criança. Ainda aparecem Danny DeVito, Elliott Gould, Bob Odenkirk, Haley Joel Osment e Kathleen Turner em participações mais que especiais.

Mas o segundo escalão de coadjuvantes é ainda pior e reflete o ponto fraco da empreitada. Me refiro justamente ao núcleo jovem do elenco: os alunos de Sandy. Como que apegado aos seus trabalhos anteriores, Lorre criou um rol de estereótipos rasos e descartáveis. Basicamente, são o “bonito burro”, a “esforçada incompreendida”, a “prepotente que esconde problemas de autoestima” e por aí vai. Se são alunos de teatro, assume-se que são todos carentes por atenção. Tudo muito previsível. Não carecia, né. 

Dos assuntos que não vemos muito na TV

Talvez o erro na condução do núcleo jovem seja uma mera consequência do excesso de esmero e capricho que foi dado à narrativa do envelhecimento da dupla protagonista. Talvez seja uma consequência natural, visto que alguns caprichos juvenis ficam ainda mais banais quando colocados em perspectiva frente a um câncer de próstata, por exemplo. Fato é que o foco realmente está no reconhecimento do processo de envelhecimento. E envelhecer não é nada fácil. Ao contrário do que seria a escolha fácil de se acreditar, não é o medo da morte que assusta, mas o de morrer em vida: o abandono, a invalidez. Cada um a seu jeito e sem o reconhecerem publicamente, Sandy e Norman temem não pertencerem mais a lugar algum nesse louco mundo moderno. Sandy não tem o reconhecimento que espera de sua carreira nem o retorno que gostaria de seus pupilos idiotizados. Tão pouco Norman que, acima de tudo, se sente perdido e deslocado com a dor do luto.

Talvez O Método Kominsky já seja um legado de Grace and Frankie lançado em 2015 também pela Netflix. O fato é o amor e o sexo na terceira idade – ou mesmo na maturidade – é um nicho muito pouco explorado no cinema ou na TV. Nos anos 80 tivemos sete temporadas de Supergatas (The Golden Girls) e, no cinema recente, nada além de Alguém Tem que Ceder ou Simplesmente Complicado (forçando um pouco) me vêm à mente de imediato envolvendo esse tema. A própria escalada do envelhecimento, da perda de autonomia, da independência são normalmente contados como tramas paralelas nos dramas ou comédias de maior destaque. 

No fim das contas, se O Metodo Kominsky acertar algumas pequenas pontas soltas, pode se tornar um honesto e genuinamente divertido retrato humano do envelhecimento, masculinidade e companheirismo. É preciso resistir ao inefável poder que Douglas e Arkin exercem sobre a câmera e, assim, resistir à tentação subsequente de isolar Sandy e Norman em suas vidas, diminuindo todos a sua volta. No mais, há muito o que aprofundar neste universo pouco explorado da melhor idade e a identificação acontecerá com qualquer público. Afinal, envelhecer faz parte da vida.