BAIANASYSTEM “ATO 1: NAVIO PIRATA” (2021)
9Pontuação geral
Votação do leitor 2 Votos
9.4

O BaianaSystem foi fundado em 2009, na cidade de Salvador (BA), desde então, o grupo lançou três trabalhos: o homônimo disco de estreia ainda em 2009, ‘Duas Cidades’ (2016) e ‘O Futuro Não Demora’ (2019). Despertando curiosidade logo no início, a banda ganhou ainda mais repercussão em 2016 ao ter sua música “Playsom” inserida no famoso jogo FIFA 2016, da Eletronic Arts. Em 2019, com o terceiro disco, a banda ganha o prêmio Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa, categoria disputada no Grammy Latino daquele ano.

Não apenas de premiações e da crescente fama vive o grupo. O trunfo do BaianaSystem é também casar a música com outras linguagens. Um dos integrantes, Filipe Cartaxo, trabalha com grafismo, fotografia e vídeos, sendo um dos responsáveis pelas artes visuais divulgadas pelo grupo. Em pouco mais que uma década de existência, a banda já realizou inúmeros shows, tanto fora do país (China, Japão), como pelo país, estando inclusive ao lado de grandes mestres da música como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Nando Reis.

Nos álbuns de estúdio, a participação de outros artistas também é essencial e precisa ser compartilhada, vivenciada. Ter participações importantes como Elza Soares, BNegão e Lucas Santtana, entre outros, só veio acrescentar mais atitude, aprendizagem e maturidade ao grupo.

‘Ato 1: Navio Pirata’ chegou em fevereiro de 2021 e se trata do primeiro trabalho que formará ‘OXEAXEEXU’, álbum dividido em 3 partes, sendo que as outras duas ainda chegam este ano, conforme prometido pela própria banda. Curto, com apenas 21 minutos de duração em 7 canções, esse primeiro ato é um petardo como há muito não se ouvia no cenário musical do Brasil. O grupo coloca sua música em regularidade com o contexto do país colocando o dedo nas cicatrizes que a corrupção e a desigualdade social podem gerar. Num disco longe de ser amargo e melancólico, pelo contrário, a salada de ritmos acaba sendo até festiva, abrangendo desde o Carnaval baiano até a Singeli Music (movimento musical comum da Tanzânia).

Esse primeiro ato foca bem a ancestralidade e a religiosidade da nossa cultura. Tudo bem encaixado nas faixas. A abertura com “Reza Forte” fala do sacrifício do povo brasileiro pra se manter vivo sem perder sua tradição nos ensinamentos dos antepassados ou mesmo acreditando em sua sorte. Por sua vez, numa espécie de monólogo, “Raminho” traz trechos das falas de uma famosa benzedeira do Sertão da Paraíba, Dona Ritinha. Assim como Titãs fez em 1989 ao trazer os repentistas Mauro e Quitéria para seu disco ‘Õ Blésq Blom’, o BaianaSystem traz uma artista brasileira (a seu modo) não tão conhecida e prova que em tudo há musicalidade, da mesma forma, realça que os costumes antigos e tradicionais podem ser sim absorvidos sem descaso por ideias contemporâneas e avançadas.

Estamos diante de um disco curto, mas que em 7 faixas revela uma eclética e prolífera fusão de gêneros como Afrobeat, Rap, Dub, Rock, Reggae e Pagode Baiano. Prova disso é “Nauliza”, uma das faixas mais vibrantes do álbum. Numa sonoridade que lembra Asian Dub Foundation, o grupo funde diversos gêneros e coloca tanto o Rock como a Eletrônica em sintonia. A canção ganha muito com a participação de Jay Mitta, um cantor bem renomado da Tanzânia. É o elo perfeito e necessário entre Brasil e África, que o BaianaSystem sabe capturar tão bem no álbum.

“Catraca” começa com um sampler de “Buzu”, canção de 1993 da banda Fuzuê (de Parintins). Numa faixa de letra ágil e difícil de acompanhar (que demanda inúmeras audições), o grupo cita a deficiência do transporte coletivo no país e o capitalismo numa composição que até recebe um tom de descontração, porém não tão menos crítica. A oportuna participação da cantora Céu age bem em “O Que Não Me Destrói Me Fortalece”, faixa que carrega variadas influências que vão desde o Dub até aos mestres da eletrônica como Kraftwerk.

Traçando paralelos do mundo contemporâneo (pandemia, corrupção, capitalismo e suas regras sujas, desigualdade social) com referências da cultura mundial (“O álcool gel, Siliconе, Al Pacino, Al Capone’), “Monopólio” atesta a boa produção do álbum num ritmo vertiginoso com uma perfeita harmonia entre o instrumental e os vocais. Partindo para o Dancehall, “Chapéu Panamá” fecha o álbum de forma primorosa, centrado bem na latinidade e numa percussão bem trabalhada.

Tipo de produção que termina com o ouvinte pedindo mais. Seria como a gente pensasse que uma oitava faixa poderia surgir. Por sorte, sabemos que estão por vir mais duas partes, então podemos contar com surpresas pela frente. Por enquanto, escutar ‘Ato 1: Navio Pirata’ é um exercício de bom gosto e de se encantar com a capacidade musical ainda reinante nessa terra chamada Brasil. Esteja pronto para um álbum que une modernidade, criatividade, protesto, alegrias, verdades, produção caprichada e músicos afiados.