Um dos grandes debates atuais dentro do cinema é a relevância ou não dos remakes, as releituras de obras antigas sob novo verniz, às vezes meras cópias, às vezes obras totalmente distintas unidas apenas pela obra que foi fonte de ambos os filmes.

O exercício de comparação é irresistível sempre, e aqui faremos a comparação entre duas obras baseadas no livro homônimo, escrito por John D. MacDonald: “Círculo do Medo”, de J. Lee Thompson, e “Cabo do Medo”, de Martin Scorsese. Dois filmes muito bons, mesmo com as diferenças que os distinguem um do outro.

O elemento central da trama é a vingança de um ex-condenado, Max Cady, contra Sam Bowden, que o prejudicou no julgamento que lhe tirou anos de vida, onde no filme de 1962 Sam foi testemunha no processo que condenou Max Cay, enquanto em 1991 Sam era o defensor público que negligenciou a defesa do seu cliente Cady.

Colocar essas duas obras lado a lado nos traz uma evidente percepção da evolução da narrativa cinematográfica, onde em 1991 percebemos uma complexidade na construção dos personagens que não era permitida em 1962, principalmente no que era ou não era aceitável sobre suas intenções dentro da história.

Em “Círculo do Medo” fica bem claro quem é o herói e quem é o vilão na história, sem maiores dúvidas, e todas as implicações envolvendo violência (numa cena onde a agressão a uma mulher é apenas sugerida de forma bem competente) e sexo são discretíssimas ou até mesmo inexistentes, como no caso de Cady com a filha de Bowden, que neste filme se chama Nancy e é uma pré-adolescente. Aqui também a esposa de Bowden, Peggy, é objetificada sutilmente por Cady dentro apenas das ameaças deste a Bowden, mas não possui muito lastro para aprofundar ambições, anseios ou conflitos.

Já em “Cabo do Medo”, tudo é complexo e dúbio, tendo muitas variáveis a se considerar dentro dos motivos das intenções vingativas de Cady, dos efeitos da fraqueza de caráter de Bowden para ele e sua família no momento, da sedução explícita de Cady com Danielle, filha de Bowden, na icônica cena no teatro com encenação da casa da Chapeuzinho Vermelho, e até mesmo na profundidade de composição de Leigh, esposa de Bowden, uma mulher carente e depressiva dentro do seu relacionamento e suas aspirações profissionais. E a cena de agressão é explícita, e o roteiro une este fato também aos conflitos de Bowden, ao dar um laço entre a agredida e ele, sendo colegas de trabalho que flertavam abertamente no seu dia-a-dia.

A mensagem central de ambos os filmes é como a prisão psicológica pode ser tão pesada como a prisão física, onde Cady sufoca a família Bowden de tal forma que eles perdem praticamente a liberdade de ir e vir pelo cerco realizado pelo astuto psicopata, e o que diferencia ambas as abordagens é a evolução narrativa do cinema, que hoje permite maiores nuances entre os personagens que geram conflitos mais elaborados e sutis, e cada um de sua forma ensina a importância da liberdade e como o sistema é ineficiente na proteção deste valor, independente da perspectiva.

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