A Macedônia do Norte emplaca o belíssimo “Honeyland” (2019) na corrida pelo Oscar 2020 em
duas categorias. A emocionante obra – uma das coisas mais lindas recém-produzidas – dos diretores Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov concorre como melhor documentário e melhor filme em língua estrangeira. Vale pontuar aqui – para ver o quão grande é o feito deste país – que a Academia não seleciona animações ou documentários a fim de competirem como longa internacional.
O filme acompanha a vida de Hatidze Muratova, que colhe mel das abelhas de maneira sustentável, a fim de ter sempre o produto para vender e também para assegurar seu mantimento. A trama acontece num belíssimo cenário bucólico e rural imerso em solidão num vilarejo sem crédito na Macedônia do Norte. Hatidze, 55 anos, mora com sua mãe, e é conhecida como a última caçadora de abelhas da Europa. Porém, a beleza inicial da película vem da essência pela forma em que ela realiza esse processo natural de subsistência.
A apicultora cata sempre – como se observa e como ela prega – 50% do que a colmeia produz. Os 50% deixados pra trás – de maneira consciente – servem para que a colmeia siga se regenerando e produzindo mel sem nunca cessar. Com isso, ela consegue ir com frequência à capital Escópia para efetuar suas vendas. Quando volta ao vilarejo, traz frutas e mais mel para si e para sua amável mãe. Dona Nazife é uma senhora bastante doente (não fica claro o que ela teria) e que não enxerga de um olho. O diretor Stefanov a define: “uma guerreira que quer viver”.
A diretora Kotevska afirmou que faria um trabalho sobre a biodiversidade naquela região da antiga Iugoslávia, mas, quando conheceu Hatidze, mudou o rumo de seu filme abruptamente. O que guiou a dupla de diretores foi a filosofia de vida da apicultora, centrada principalmente no uso balanceado – e responsável – de recursos naturais. Kotevska crava: “uma filosofia que as pessoas esquecem e que lentamente se torna extinta no impiedoso capitalismo dos dias de hoje”.
Mais de 400 horas de filmagem foi o resultado de tal encontro. E a edição final veio após três anos de trabalho junto à Hatidze. Os cineastas – por vezes e por dias seguidos – largaram a câmera em direção à camponesa. Chegaram a montar barracas ao longe a fim de não serem intrusos no modo de vida daquela mulher. Em momentos mais tensos no escopo do que foi captado, os cineastas não se envolvem. O não envolvimento é intrigante ao nosso olhar. Eles deixam a natureza do local falar mais alto.
Não existe o recurso de narrar o documentário. O que traz mais sinceridade ao filme. Vale destacar aqui, num destes planos gerais silenciosos, como é excepcional a cena de abertura do filme, ainda que lenta. Para dar o tom verossímil ao que a diretora Kotevska grifa, uma errante família turca – pai, mãe e sete filhos – surge estabelecendo moradia no terreno vizinho ao de Hatidze. A família de Hussein aparece e também muda o curso da obra.
Num primeiro instante, a convivência é bela e dá um toque amistoso à película. Hatidze coopera, inclusive, na captura de mel dos vizinhos em suas colmeias. Sempre alertando: “sem lixo, metade seu, metade delas; se colher demais, suas abelhas destroem as minhas”. A partir daí, a família – num paralelo com nossa sociedade – atua de forma devastadora sobre os recursos que ali ainda se encontram. A dor sentida em todo o desenrolar é inevitável. É um filme urgente e que alerta para os cuidados com a natureza.
A esta altura, Hatidze vai se destacando como uma heroína de fato. Mesmo com seu modo de vida sendo aniquilado por vizinhos que atuam com ganância em favor do capitalismo, conseguimos nos confortar com a imagem que ela nos passa. Os cortes dos diretores são cirúrgicos: um singelo sorriso numa prosa sobre casamento, a vaidade de nossa camponesa ao pintar o cabelo e também ao dizer o quanto ela ama a mãe.
A desordem da família vizinha é continuamente acentuada pela devassidão de um explorador que sempre aparece por ali oferecendo pequenas quantias para grandes trocas. Real e triste paralelo.
Esta tocante película necessita abraçar o maior número possível de espectadores mundo afora. O planeta pede consciência faz tempo. Os recursos naturais lutam ainda em sua regeneração, como luta Hatidze. O filme mais premiado do último festival de Sundance (2019) – com sua maravilhosa fotografia de vela e luz natural – mostra que ainda temos capacidade de poder viver em completa harmonia com o meio ambiente.