MEMÓRIA SUFOCADA, de Gabriel Di Giacomo
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“Memória sufocada” se aprofunda no cenário histórico-político pré e pós Golpe Militar de 1964 e traça um paralelo direto com a onda militarista, conservadora e reacionária que se alastrou no Brasil e culminou com a eleição do ex- presidente Jair Bolsonaro.

A narrativa centra em uma figura chave da ditadura civil-militar brasileira – o torturador Coronel Brilhante Ustra, militar condenado como um dos principais agentes de tortura durante a ditadura militar – e se amplia para uma análise global do movimento gerador do Golpe Militar de 1964, com depoimentos e áudios de figuras como Carlos Lacerda e Lyndon B. Johnson, presidente interino dos Estados Unidos, pós assassinato de Kennedy.

Ao contrário do negacionismo no qual se fundamentam os Governos de atuação militar,  o diretor Gabriel Di Giácomo é muito claro ao que se pretende – estabelecer os elementos de conexão entre o Golpe de 1964 e a popularização e eleição de Jair Bolsonaro, alertando para a clara ciclicidade histórica socio-política de nosso país.

De tal análise, a repaginação das narrativas ficam evidentes. Manipulação de fatos, através da propagação de notícias infundadas e a utilização da pauta moral-religiosa como fundamento para controle do Estado possuem destaque. Contudo, mais do que uma coletânea factual, o documentário se destaca pelo questionamento acerca da manipulação da informação, que à época do Golpe Militar se deu através das fake news divulgadas pelo Governo quanto à progressão do comunismo e que atualmente ganhou novas modulações e alcances com o advento da internet, corroborando para uma “realidade” cada vez mais deturpada.

A nebulosidade informativa continua sendo ferramenta fundamental de Regimes Autoritários para a instauração de um cenário de periculosidade e instabilidade, que figura como base justificativa para toda e qualquer atuação governamental – democrática ou não.

Sob este aspecto, o documentário mostra trechos de depoimentos de vítimas torturadas durante a ditadura, com imagens extraídas da Comissão Nacional da Verdade e do Arquivo Nacional – que são contra-argumentados pelo torturador Coronel Ustra sob a justificativa de “atuação heróica do Estado” diante do “perigo comunista instaurado à época”.

A violência e opressão se pautam em uma retórica infundada – sem qualquer comprovação factual ou documental – e tal formulação discursiva ainda hoje é exaltada e utilizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores como faísca motivacional para suas ações, vide os acontecimentos pós eleições de 2022, com a invasão e depredação do Congresso Nacional em 08 de janeiro de 2023. Assim, notamos que a interpretação histórica sócio-política de nosso país, tanto no que diz respeito à constituição dos fatos, quanto à reverberação dos mesmos, ainda permanece intencionalmente sufocada, de forma que a legitimidade do discurso se formaliza pelo temor religioso e moral.

Fugindo do resquício de qualquer imposição argumentativa e corroborando com sua provocação quanto à manipulação de massa e o acesso público à informação, o diretor Gabriel Di Giácomo convida o espectador a montar sua própria narrativa – através da apresentação de fatos históricos comprovados e vai além, disponibilizando o total acesso do público ao material fruto de sua pesquisa, para que com isso, através de elementos factuais, cada indivíduo possa fazer sua própria pesquisa e (re)construir sua narrativa histórica. Desta forma, o documentário, além de nos alertar para a gravidade da reiteração histórica política, nos convida a um debate necessário – individual e coletivo – acerca da importância da autonomia popular da nossa trajetória como país.

 

trailer – Memória Sufocada

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