Avaliação Hybrido
9.5Nota do Autor
Votação do leitor 0 Votos
0.0

“Não! Não Olhe!”, terceiro longa-metragem da carreira do ótimo Jordan Peele (de “Corra!” e “Nós”), é a obra mais abstrata em sua filmografia, e surpreende exatamente pelo perfil de produção de estúdio do projeto. A abordagem de gênero sobre conteúdos de crítica social relacionados a minorias, visto nos dois primeiros filmes do diretor, aqui se concentra na abordagem humana aos animais num contexto fantástico, o que não deixa de remeter, mesmo que de leve, ao papel das minorias na indústria do cinema como um todo.

A narrativa não-linear e faseada em episódios nomeados pelos animais onde a narrativa constrói a experiência do protagonista para lidar com seu desafio muito acima da sua rotina diária (e indispensável para a sua lógica de vida) coloca o espectador na imersão daquela cosmologia, onde a incerteza e as projeções do que se trata aquela ameaça misteriosa são desafiadas de forma até certo ponto sarcástica cena a cena, e com o objetivo central do protagonista é registrar a existência daquela ameaça o filme acaba se tratando, afinal, do cinema em diversas formas.

A abordagem teórica, tecnológica, narrativa do cinema, tudo é tratado indiretamente nas decisões do protagonista, sua irmã e aliados pontuais, com excelente uso do espaço para termos proporcionais da experiência trazida ao espectador com este filme, que pode ser difícil para o espectador médio por não apresentar – e sinceramente nem parece se preocupar com isso – com qualquer amarra narrativa que Peele inclusive sempre se preocupou em seus filmes anteriores.

Em “Não! Não Olhe!”, enxergamos um Peele mais preocupado com o universo, contexto e a estética que compõe a análise fílmica, uma marca forte de contraposição entre o real e a farsa, o humano e o selvagem, e visões sobre o controle da imagem e do indivíduo através da relação dos personagens com os irracionais – sejam animais ou extraterrestres – e ao longo de tudo, uma reflexão poderosa sobre o imponderável das relações humanas com o desconhecido.

A fotografia de Hoyte van Hoytema, meticulosamente escolhido por seus trabalhos anteriores envolvendo escala (“A Chegada”) e a ameaça aérea (“Dunkirk”), dão o tom da importância da imagem naquela história, seja na visão comprometida pelo medo de quem observa (com jump cuts muito bem trabalhados na escalada de tensão) ou pela proporção da ameaça que cerca aquela afastada área escolhida para as ocorrẽncias.

As referências fílmicas do cinema de Peele porém seguem firmes neste filme. Além da recorrente reverência ao cinema de Hitchcock, aqui o diretor se curva também a diversos sci-fis da era de ouro de Hollywood, além de uma curiosa abordagem sentimental do cinema de Spielberg dos anos 80 naquela família negra que viveu à margem da indústria através do adestramento de cavalos, mesmo com a estética sangrenta do cinema de Peele.