“Duna” (2021), de Denis Villeneuve
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9.3

Onde: Cinemas


Denis Villeneuve nunca fez um filme ruim. Mediano, que fosse. “Incêndios” (2010), “Sicário” (2015), “A chegada” (2016), “Blade Runner 2049” (2017), por exemplo. Para um projeto imenso como o penoso e hermético Duna, o diretor era certamente o sujeito perfeito para a complexidade devida. Adaptar a vasta obra de 1965, de Frank Herbert, jamais foi algo simples. Tanto que este – pra mim – além de ser uma obra-prima em todos os aspectos técnicos, é a única decente produção dos livros de Herbert. E é apenas a primeira parte. Sim, Villeneuve faz algo monumental aqui. Pode até soar como “já vimos algo assim”, mas é bem mais profundo e cheio de camadas. Star Wars e Game of Thrones, vale dizer, beberam nessa fonte da saga de Duna.

A obra é a inspiração de muito trabalho de ficção científica dos anos 70 em diante. É a fundação – por vezes – para a cultura pop scifi consumida hoje. Com uma cinematografia lindíssima, contemplativa, lenta e imersiva de Greig Fraser, conseguimos mergulhar em mais uma nova doutrina de Villeneuve, que segue tendo seu mimetismo apuradíssimo, e é de novo um diretor que te situa dentro da obra assertivamente. Uma experiência visual master para a tela grande fatalmente. Como podem ter demorado tanto para que tivéssemos um filme decente de Duna? De scifi Villeneuve entende. E aqui, de novo, na dramaturgia da ficção de Villeneuve, analisa-se o comportamento do ser humano junto às implicações da ciência e da tecnologia: Ele é o cara do scifi hoje.

O diretor mescla perfeitamente tecnologia a temas como organização política, exploração da natureza, extração de recursos vitais, subsistência, condições climáticas, uso correto de combustíveis, distribuição de riqueza, definição das classes e sobrevivência. Aponto que tecnicamente – figurino, direção de arte, maquiagem, foto, som – tudo é perfeito e imediato em Duna. Teremos vários prêmios de fato. E isso nos insere como parte da obra devido às proporções absurdamente gigantescas do cenário. Somos engolidos por Duna. E, mesmo com toda ficção científica aqui, a costura de seu uso à mente humana é o melhor que Villeneuve faz: sempre nos fornecendo novas filosofias, novas reflexões. Grifo que talvez melhor do que aquilo que o seriado “Black Mirror” (2011) realiza.

DENTRO DA IMENSIDÃO

O futuro de Duna é distante e a Terra nem aparece aqui. Seguimos o arco extenso de um jovem enigmático e emocionalmente investido chamado Paul Atreides (um excelente Timothée Chalamet), que sai de sua terra natal para viver no planeta atemorizador e desértico, porém riquíssimo: Arrakis. Seu pai, o Duque Leto Atreides (atuação perfeita de Oscar Isaac), acolhe a missão de administrar o planeta nocivo a mando do Imperador. Juntos a eles, segue Lady Jessica Atreides, mãe de Paul. Uma misteriosa, poderosa e maravilhosa Rebecca Ferguson.

Em Arrakis, existe a Especiaria, sendo um tipo de recurso natural que nutre a humanidade em vários aspectos. A Especiaria alimenta a mente humana, expandindo-a, dando-lhe mais conhecimento, ao mesmo tempo que é vital para as naves e para as viagens intergaláticas necessárias para o desenvolvimento econômico e político. Sendo seu combustível. Para as metáforas do meio ambiente, um prato cheio. Obviamente discussões atuais sobre tal carnívora disputa pipocam. Conflitos sessentistas como a competição pelo petróleo são bem retratados em Duna. Vemos ponderações sociais da década de 60 entrecortados com nossa crise climática atual junto ao ainda problemático petróleo.

Obviamente há um lado que buscará de maneira horripilante o controle supremo de tal tempero vital. E aqui entra o talento formidável de Stellan Skarsgård, como o barão inescrupuloso e ganancioso da Casa Harkonnen. Todos os atores de Duna estão num auge impecável. Eles se mesclam com as figuras que saíram daquelas páginas. O roteiro reservou ao barão de Harkonnen uma baita homenagem a Apocalypse Now. Que preciosismo.

O compositor alemão Hans Zimmer pontua as visões espaciais deslumbrantes e grandiosas de Duna com seu som expansivo. Ele faz tremer as naves com seu barulho metalizado no ar e consegue nos imergir no silêncio do solo arenoso e infinito de Arrakis. A vastidão mitológica do universo de Duna pode fazer o diretor pecar. São muitas Casas a serem explicadas, muitos personagens para ganharem nosso envolvimento. Sabemos que é um filme pela metade, falta a segunda parte. Gera um pouco de frustração ao final. Resta a certeza de ter tido um experimento quase onírico. Não é necessário que tenhamos lido os livros, mas ficamos com uma vontade imensa de ler assim que sobem os créditos. Eu comprei todos. Terei uma segunda parte melhor ainda.