Avaliação Hybrido
10Nota do autor
Votação do leitor 4 Votos
9.6

Era difícil imaginar que a terceira temporada de “Succession” (HBO) seria tão boa quanto às anteriores (minha análise delas aqui), mas sim, ela conseguiu ser ainda melhor. Talvez por reunir todo o acúmulo dramático da série até ali dentro de um espectro menor de tempo, e cada episódio concentrado numa fase de reestruturação da hierarquia familiar após o desfecho impactante da segunda, onde Kendall Roy se coloca publicamente contra o pai Logan Roy numa coletiva de imprensa.

O mais interessante nesta terceira temporada é o que não é falado e descrito, o que nos coloca dentro da bolha de realidade de Kendall, Shiv e Roman Roy, cada um com suas ambições particulares e com suas referências de evolução individuais, mas unidos pela relação tóxica e opressiva do pai com eles, individualmente e coletivamente.

O que parecia ser o centro do arco da terceira temporada acaba ficando aos poucos em paralelo, e o desfecho enaltece que o princípio deste estágio da série é a inabilidade dos irmãos de se conectarem para além do medo e subserviência ao pai. Kendall parecia que tinha dado o pontapé para uma reviravolta, mas aos poucos seu ímpeto vai se esvaziando por sua incapacidade de conduzir uma alternativa junto aos irmãos sem ser da forma em que foi moldado pelo seu maior oponente, seu pai – e como Shiv e Roman sempre sentem isso quando algo surge de Kendall, e acabam indo pra asa do pai, mesmo que se submetendo a humilhações catárticas e psicológicas.

E aí Shiv e Roman, dentro da estratégia imposta pelo pai, tentam seu lugar ao sol para serem as alternativas ao ejetado Kendall. Shiv busca seu espaço através de suas qualidades de política nos bastidores, buscando atalhos para escalar o organograma da Waystar Royco através das necessidades de acordos com os acionistas, mas é sempre embarreirada pelo pai através de machismo, e articulando bem a ideologia da filha para sempre mantê-la no seu lugar, mas a cada episódio exercendo menos influência direta.

Já Roman, apesar de sua personalidade ácida e irônica que esconde nos detalhes o filho mais sentimental e carente de Logan, busca a ascensão pela total subserviência aos comandos do pai, e em cima disso acaba até mesmo crescendo e demonstrando talvez ser ele a nova liderança na empresa, mas suas questões psicológicas (até aqui só abordada em piadas misóginas entre os irmãos) se expõem em momento-chave e causam dúvida à Logan se ele pode ser seu boneco para a imagem do futuro da empresa, e onde seu valor sentimental o leva a desafiar o pai pela primeira vez no último episódio, de forma desesperada e fracassada.

A conclusão da temporada demonstra que mesmo enfraquecido, Logan segue tendo o que quer, mesmo manipulando sua família de forma tóxica e em nome apenas de mais acumulação de capital, sem querer dividir ou abrir mão em nome dos filhos. Sempre de forma estratégica e multifacetada (e que não enxergamos, pois brilhantemente suas ações de bastidores se colocam em meio às elipses entre um episódio e outro), ele maneja e consegue uma saída satisfatória em frente aos escândalos da sua empresa, e esvaziando completamente o poder dos seus filhos quando estes enfim conseguem se unir para tentar não perder tudo o que têm (pela visão limitada e conceitual que eles têm naquela familia oligarca).

Enquanto Kendall está destroçado por despertencimento sentimental à sua familia como um todo e pra fora também após ser trucidado na guerra com o pai, Roman vê seu canal único de submissão ser rompido após pela primeira vez tentar impor sua visão pessoal, e Shiv talvez seja a mais amarrada ao ver tudo o que possui patrimonialmente se esvair numa tentativa desesperada de ação contra o pai, e se vendo atrelada à figura do marido, antes submisso e humilhado, que acabará se tornando o principal aliado do pai, o tal boneco para renovar a imagem da empresa, e vendo como a forma prática de se manter na estrutura engravidar do marido que não ama, apenas era conveniente, indolor.

“Succession” se prometia como uma série cômica através da ironia e de humor ácido sobre as entranhas do poder, mas a cada episódio se revela uma obra dramática de grande porte, claamente inspirada em linhas de tragédia shakespeariana, mais próxima de “Rei Lear”, com um elenco que entrega algo além do que o ótimo texto já se apresenta em recursos dramáticos para toda aquela mise en scene da alta burguesia capitalista norte-americana.