What Remains Of Edith Finch (2017)
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Alguns jogos, por si só, acabam exercendo a função de não apenas entretenimento, como também de elaborarem uma análise de como é a vida de uma forma geral (nossa família, amigos, sentimentos, trabalho, rotina, comunidade, o próprio ato de se entreter). Dentro de todo um conjunto, os criadores conseguem trabalhar com o jogador de diversas formas: fazê-lo refletir, se emocionar, ficar chocado, ser impressionado, de buscar um diálogo consigo mesmo.

O propósito é tocar o lado humano mais real possível, mesmo dentro de um panorama surreal embutido em fábulas modernas contadas de formas inusitadas. Assim acontece com “What Remains Of Edith Finch” da Giant Sparrow. A empresa sempre fez questão de enaltecer o jogador e seu mundo real, mesmo que tudo aconteça através de um jogo elaborado pelas tintas do surrealismo. Por exemplo o “Unfinished Swan” (2013), que já cumpria com esse papel. Mais do que arte e entretenimento, o objetivo de fazer o jogador questionar sua existência, suas ações e tudo que o cerca sempre foi uma prioridade da empresa americana.

Edith Finch tem 22 anos e está grávida. Após longo tempo, a moça volta para sua casa, agora abandonada. Ao se deparar com os cômodos da residência, vai encontrando diários dos seus parentes. A leitura se transforma em narrativas fantásticas, todas revelando os acontecimentos estranhos que causaram a morte dos entes queridos.

Mesmo em tons amargamente pesarosos, como dos personagens Gregory e Calvin (trabalhar com morte de crianças é sempre complicado), a narrativa alivia usando pinturas mais coloridas, nunca tratando a morte de forma banal. Na história de Calvin, por exemplo, a narradora Edith diz que ‘Calvin sempre desejou voar mais alto’, e tal pensamento se ajusta para apaziguar a ‘partida’ do garoto de forma mais branda e sensível na visão do jogador.

Nos minutos iniciais, tudo parece indicar que estaremos diante de um jogo de terror. Uma densa floresta, cenário lúgubre, a imensa e bizarra casa abandonada. Claro que cada parte da moradia esconde uma história e, conforme avançamos, notamos como os ambientes são interligados entre si. Alguns cômodos são liberados a cada história contada, outros simplesmente são descobertos por meio de passagens ocultas. Interessante é jogar tudo sem ter visto nenhum vídeo do Youtube (faça esse favor).

Esse é um jogo em que os detalhes técnicos nos impressionam. Apesar de fugir de um jogo AAA de muito orçamento feito por uma empresa poderosa e muito conhecida, a Giant Sparrow consegue passar o tom das narrativas em cenários singelos, porém ricos em detalhes e ideias. Desde a ambientação dos compartimentos da casa, passando pela área externa (floresta, praia, cemitério da família), o cuidado foi bem observado, tudo para deixar o jogador como um cúmplice da família Finch e de seu destino. A paleta de cores também chama a atenção. O iluminado cenário da praia, a escuridão da floresta ao redor da casa ou mesmo o tom acinzentado que surge no cemitério da família passam para o jogador sentimentos necessários e precisos em cada trecho do jogo.

Trilha sonora bem executada, as canções orquestradas garantem o clima necessário para as histórias dos personagens da família dentro do jogo. Outro recurso visual agradável é a legenda dinâmica passando pela tela e o jogador fazendo sua parte interativa com ela, seja derrubando as letras no chão, ou mesmo virando as frases com uma pipa soprada ao vento, na história trágica de um dos familiares de Edith. Tal cena acaba se tornando um dos melhores momentos que podemos presenciar nos jogos da era PS3/PS4.

Repleto de metáforas e de passagens capazes de render inúmeras discussões, dialogando tanto com a Filosofia, como com a Literatura Fantástica, “What Remains Of Edith Finch” não exige tanto do jogador, que ficará satisfeito em andar, abrir o livro, realizar alguma ação e contemplar cada canto da casa. Nada de monstros, inimigos, combates, pontuações e itens para coletar e avançar. Não existe apelo para a violência gratuita, você está livre para vasculhar o ambiente e encontrar mais histórias. Não se preocupe em ficar perdido, pois tudo se encaixa mesmo com o jogo não orientando a próxima ação a ser cumprida.

Tudo é um convite para se entrar na história, para sentir remorso pela jornada de Edith. Estamos diante de um livro que, gradativamente, vai montando seus variados capítulos, páginas contando narrativas de pessoas queridas que se foram ao longo da vida e que não estiveram, talvez, muito tempo ao lado da personagem. Ou que nem mesmo a própria Edith conheceu e que agora ficam apenas registros em textos e fotografias.

Mesmo abordando sentimentos como melancolia, solidão, depressão, suicídio, morte, briga familiar, desentendimento e a difícil natureza humana; o game nunca desanima por trazer o elemento surpresa ocasionando a sensação de ler cada página, de promover no jogador a curiosidade, instigando nele a vontade de não deixar passar nada. Como ponto negativo, poderíamos até opinar sobre a curta duração da narrativa e o fator replay ser praticamente inexistente. Só um momento! Assim também não é a vida? Curta demais e sem replay?