LIFE IS STRANGE 2 (2018)
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O ano era 2015. Jogadores foram tomados de uma notícia repentina e que, a princípio, não veio com muito estardalhaço: o lançamento de ‘Life Is Strange’. O jogo seria focado numa aventura baseada nas escolhas do jogador. Apesar de inúmeros jogos com esse recurso, tomando como exemplo os jogos produzidos pela Telltale Games (hoje extinta) e pela renomada Quantic Dreams, o jogo da francesa Dontnod chegou muito bem entre público e crítica, um tanto por conta do trabalho bem feito da desenvolvedora que entregou uma narrativa que se encaixou bem com a realidade de muitos jogadores. O que parecia ser voltado para uma trama adolescente acabou contagiando até adultos mais rabugentos. O jogo se passa em Arcade Bay, uma cidade ainda transtornada pelo desaparecimento de uma estudante. Acompanhamos a personagem Maxine Caulfield que, ao descobrir estranhos poderes, passa a ter influência nos eventos da cidade.

A Dontnod sequer tinha muito renome no mercado de jogos. Muito nova, foi fundada ainda em 2008. ‘Remember Me’ (2013), o primeiro jogo da empresa, embora seja interessante, não teve tanto impacto no mercado. Com um pouco mais de orçamento e ajuda de financiamento público, a produção de ‘Life is Strange’ começou. Uma empreitada um tanto perigosa e ambiciosa, sobretudo por se envolver com uma narrativa carregada de alguns assuntos polêmicos/delicados como bullying, depressão, drogas, traições e suicídios. Da mesma forma,  criar um jogo baseado em episódios poderia ser um tanto arriscado. Caso o primeiro episódio fosse um desastre, o restante seria um desperdício e a desenvolvedora amargaria uma franquia sem êxito. O bom resultado chegou e nem demorou que uma prequel fosse lançada, ainda em 2017, ‘Life Is Strange: Before The Storm’.

Lógico que uma sequência seria necessária. Franquia em ascensão, amplas possibilidades de se construir uma nova narrativa, outras emoções por chegar, ansiedade dos jogadores por um novo jogo. A resposta veio logo com ‘As Aventuras Iradas de Captain Spirit’, uma espécie de demo que começava a dar pistas animadoras de que a Dontnod estava planejando algo maior. Interessante que esse jogo-demo acaba se encaixando de forma inteligente e estratégica durante a sequência de ‘Life Is Strange’.

Na sequência, vamos acompanhar a história dos irmãos Diaz: Sean e Daniel. Depois de um evento trágico, ambos são obrigados a fugir da polícia e almejam chegar a Puerto Lobos, uma remota cidade mexicana. Uma jornada carregada de emoções, medos, descobertas e desafios. Praticamente a Dontnod trabalha com os recursos que deram a tônica do primeiro jogo, são eles: personagem que descobre ter um poder que altera os eventos do mundo ao redor e a influência das escolhas. Entretanto, Life is Strange 2 trabalha dentro de um contexto mais social e político divagando obre vários tópicos da sociedade americana como a própria questão da imigração mexicana nos EUA.

Se o primeiro jogo era bastante centrado no ambiente escolar de Arcadia Bay, a continuação, por sua vez, oferece um giro por vários cenários, tem uma narrativa que não fica por muito tempo em apenas um ambiente. Locações como desertos, igrejas, estradas, hotéis, lanchonetes e parques florestais garantem um diferencial. O primeiro jogo ganha uma atmosfera de suspense e investigação, enquanto o segundo é engajado na aventura e ação dando muitas vezes a sensação de que estamos diante de um Road Movie.

Como ‘Life is Strange 2’ é um processo de entendimento entre os próprios irmãos, cada cena será responsável em fazer o elo necessário para essa aproximação. Muitas partes ficarão retidas na mente do jogador, mesmo após terminar o jogo. Momentos tensos, outras vezes violentos, existe até espaço para cenas mais descontraídas, porém nunca apresentando um humor de argumento fútil. Apesar de algumas escolhas não influenciarem muito no desenrolar da trama, por outro lado muitas decisões chegam com um gosto amargo podendo trazer aquele peso na consciência do jogador de não ter optado por outra opção. Muitos são os personagens que surgem. Mesmo que alguns façam uma pequena ponta na história, a presença deles traz realce na jornada dos irmãos Diaz em cenas importantes e que determinam o destino de ambos.

‘Life is Strange 2’ é o jogo indicado para os não apressados. Alguns diálogos não podem passar batidos e textualizam a tensão ou a ligação entre muitos personagens. Para os fãs da franquia, muitas são as referências oportunas do primeiro jogo que os diálogos e algumas cenas lançam (e que cabe ao jogador capturá-las durante o jogo). Os cenários, sobretudo os internos, são repletos de detalhes que trazem mais destaque na história ou até mesmo da franquia. Um pôster no quarto, um caderno no chão ou mesmo uma carta dentro de uma gaveta, tudo que possa ser lido, traça uma forte ideia de como a Literatura é essencial no jogo.

A franquia ficou bem conhecida também pela lista de troféus/conquistas tranquilas e não perdíveis. No primeiro jogo, são fotografias a se realizar em locais estratégicos. Em ‘Before The Storm’ o jogador precisava encontrar grafites espalhados pelos cenários. No segundo, são itens de lembrança (souvenirs). Bom é saber que alguns desses itens até são encontrados sem muito esforço, mesmo assim colocam o jogador mais próximo da história, mais cúmplice da jornada dos irmãos. Tal qual ‘Rime’, são coletáveis que acabam fornecendo mais algumas informações para o contexto da história, transforma o jogador como cúmplice da jornada. Sem pressa e sem problemas, pois existe a velha e amigável seleção de capítulos.

Um pouco de Telltale Games aqui, mais um pouquinho de Quantic Dream ali, isso não faz mal. Life is Strange 2 se apropria de várias ideias e mecânicas que já conhecemos muito bem. Nada de novo, nada de criativo, tudo bem simples e que nem exige tantos comandos do jogador. Mas e a história? Inspire, respire, continue, vá até o próximo episódio, você consegue. Alguns finais diferentes e aquela vontade de ver o resultado de outras escolhas garantem o fator replay. Com a segurança de que essa é uma franquia que pode seguir adiante e com o aval de que cada vez mais videogame é coisa séria, é estado de arte puro e lapidado.