O AMOR EM TEMPOS DE CÓLERA

A adaptação da HBO para o game “The Last of Us” veio cercada de expectativa por parte dos fãs da saga apocalíptica de Joel e Ellie por um Estados Unidos devastado por uma epidemia de alta contaminação por fungos, sendo esta missão direcionada para os showrunners Neil Druvkmann e Craig Mazin, da minissérie premiadíssima “Chernobyl”, também produzido pela HBO.

A própria escalação de Mazin já projetava que o enfoque fugiria um pouco de um gameplay de ação, e iria mais para fundo nos pormenores do que significaria uma crise deste tamanho para as relações humanas e as suas costuras sociais, e podemos dizer que de forma ampla a série nos traz uma visão darwinista desta hipotética sociedade pós-contaminação global.

Além disso, a elipse temporal entre o momento zero da contaminação e o ponto de partida da narrativa já carrega um arcabouço dramático interessante entre os que viveram o corte entre uma sociedade antes e depois do córdiceps, e outra sociedade que já nasceu sob o prisma de uma sociedade restrita e mortal, e para isso é importantíssima a opção por episódios 100% focados em flashbacks – e não por coincidência, os episódios mais carregados de sentimentos.

Todos os episódios – do tempo presente ou passado – são marcados por decisões passionais que construíram mini-esquemáticos de sociedade carregado por alguma ideologia – pessoal, política, ideológica – mas invariavelmente, excetuando o ideal que conduz os dois protagonistas, todas são calcadas por decisões individuais que norteiam o coletivo que organiza esses espaços, seja a casa de Bill e Frank, a anarquia vingativa de Kathleen, a conduta de Henry, a comuna onde Tommy vive, a mini-seita do carismático Dave, todas são calcadas por desejos menores em detrimento de maiores.

Tanto que as maiores ameaças para Joel e Ellie ao rasgar os EUA apocalíptico são estes episódios, e muito menos os contaminados que ainda restam espalhados pelo país, e muito por isso todos os episódios desta temporada são marcados por depressão e desilusão: todos os desfechos de episódios são golpes pesados sobre a jornada de herói dos protagonistas, que servem tanto para uní-los sentimentalmente como também para transformar cada um deles de forma diferente, pelas suas perspectivas.

Joel é um personagem desiludido que reencontra sentimentos enterrados com a perda daqueles que mais ama através da missão de conduzir e proteger Ellie, que por sua vez amadurece a cada episódio e constrói o arcabouço de uma verdadeira heroína, como uma pessoa que só enxergou pedaços de um mundo melhor, que pode depender literalmente de sair de dentro pra fora dela. Uma missão natural por seu passado que é fortificada por suas experiências nesse mundo devastado.

E o fechamento deste arco inicial da série em sua primeira temporada é muito bem amarrado, ao colocar essas duas visões em um choque nada aparente entre eles, onde Joel toma atitudes pela felicidade que ele volta a enxergar do que restou, e Ellie tem nele o maior obstáculo para tentar viver um mundo melhor do que as migalhas que a geração humana anterior deixou a ela como legado.