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9Nota da Hybrido
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9.3

Existe toda uma geração órfã de Gilmore Girls. E quando eles pensaram que Amy Sherman-Palladino havia sido generosa o suficiente tirando quatro longa metragens da cartola para “consertar” o fim da série em 2016, foram surpreendidos logo na sequência com o piloto de The Marvelous Mrs. Maisel em 2017.

Nele fomos apresentados a uma adorável dona de casa judia do Upper West Side no final dos anos 1950. Miriam ‘Midge’ Maisel (Rachel Brosnahan) é a mãe perfeita, a esposa ideal, aquela mulher maravilha que sabe a fórmula mágica do tudo gerenciar, nunca esquecer de nada e ainda ajudar o marido que, a despeito da falta de talento, sonha com uma carreira nos palcos de stand-up comedy.

Atormentado pela frustração e pela culpa por um caso extra conjugal, Joel (Michael Zegen) abandona Midge que, em meio a um merecido porre, acaba “desabafando” de forma hilária no microfone do mesmo exato palco almejado pelo marido, num dive bar no Greenwich Village.

O episódio piloto diz muito sobre o que esperar da produção. Tem os famosos diálogos inteligentes e acelerados típicos da showrunner, figurinos super caprichados e uma Nova Iorque dos anos 50 que não deve nada a Mad Men. Tem também uma fotografia colorida e vibrante, obviamente pensada em valorizar toda a vasta gama de expressividade da protagonista que Brosnahan construiu inspirada em grandes nomes femininos da comédia judia americana, como Joan Rivers. Assim como em Stars Hollow, nenhum coadjuvante é menosprezado. Nem poderia com os deliciosos Tony Shalhoub e Marin Hinkle como Abe e Rose Weissman – pais de Midge – e Kevin Pollak como Moishe Maisel, seu sogro.

A primeira temporada se desenvolve em torno dos conflitos de Midge ao se descobrir comediante e sua empreitada por uma espécie de vida dupla. Optando curiosamente por não abrir mão do seu nome de casada no palco, nossa heroína se associa a Susie Myerson (Alex Borstein), que se torna sua agente e – por que não – sua mentora. Susie é a responsável por buscar novos palcos e oportunidades no disputado mercado da comédia nova-iorquina e ainda pelas sensacionais tiradas motivacionais sempre que que a segurança de Midge se abala. Susie é aquela figura que cresce quando menos se espera fazendo o contraponto “pé no chão” com a jovem rica e misturando pitadas de desdém e (bastante) admiração em seus comentários pretensamente ácidos.

Não existem viradas arrebatadoras e – como boa comédia – os dramas a serem aprofundados são poucos, porém importantes. O deleite está nos diálogos (a marca registrada de Amy Sherman-Palladino, em que existe resposta para tudo – sem arrogância – e para mim são alguns dos melhores da atualidade) e os conflitos funcionam como as principais matérias-primas que Midge usa em suas apresentações.

Prisões por falta de decoro, a necessidade de trabalhar numa loja de departamentos, o constante julgamento da família que a condena por permitir o fim do casamento com relativa facilidade, a relação com sua mãe (as duas com parecidíssimas e fortes personalidades) e também a grande aventura de criar filhos – com ou sem marido. Todo e qualquer acontecimento cotidiano ganha um teor hilariante no microfone daquela encantadora e astuta figura minuciosamente vestida sob os holofotes. Não dá para fugir do clichê feminista afinal, trata-se justamente de Mrs Midge Maisel encontrando sua voz.

Tanto na segunda quanto na terceira temporada a evolução de Midge é notável. A cada volta ela aparece mais madura e consistente. Na verdade toda a produção cresceu e amadureceu junto com a protagonista e todos os coadjuvantes seguem brilhando cada uma por sua vez. Uma crise leva a família para Paris e é lá que acontece uma das melhores cenas da televisão contemporânea, quando Midge se apresenta num palco parisiense com uma tradução simultânea improvisada. Uma delícia!

Voltando aos Estados Unidos, merece destaque a tradicional viagem de férias das famílias judias aos Castkills que funciona como deixa para que a outrora dinâmica hiperativa e caótica de Star Hollow em dia de festa comunitária invada o mundo de Mrs Maisel. Sua principal e mais feroz concorrente, Sophie Lennon (Jane Lynch), segue disputando palcos e atenções e a chegada de um charmoso médico judeu atribula a vida amorosa de Midge. Os desafios ficam ainda maiores na terceira temporada, quando uma tour a leva para longe de casa enquanto Susie sofre para absorver o tamanho de sua nova responsabilidade. E a participação primorosa de Sterling K. Brown como o rígido empresário Reggie? Um desbunde!

Muitas questões além do feminismo são levantadas com leveza e simplicidade durante as três temporadas já lançadas da série. Fala-se de idealismo, racismo, homosexualidade, identidade de gênero, tudo sem forçar o ativismo mas provocando reflexão e empatia na audiência. Uma dessas questões é justamente o gancho para a quarta temporada, já confirmada. Agora que conhece algumas das mais cruéis armadilhas do showbusiness, Mrs Maisel precisará de muita presença de espírito para não ser catapultada da montanha russa do sucesso.