A dor de não ver mais um ente querido pela separação, distância ou morte. O medo do desconhecido. Não ter segurança em nenhum lugar. O fim do conforto. Não poder se esconder por tanto tempo. A sobrevivência ao limite. Os recursos vitais se esgotando. O perigo rondando a cada esquina. O pós-apocalíptico obscurecendo o coração humano. Tudo o que foi citado faz parte das 2 temporadas de ‘Black Summer’, série norte-americana da Netflix que começou como spin-off de ‘Z Nation’ e é ambientada alguns meses após as primeiras infestações.
A série começa sem muitas explicações. Uma epidemia se alastra pela cidade. Mortos voltam a vida numa fúria incontrolável. O exército monta comboios ajudando apenas quem não está possivelmente contaminado. Os personagens vão surgindo, superando suas dificuldades e deixando para trás quem foi contaminado. Aqui ninguém é principal. A trama vai pedir que o espectador não se sinta tão atraído por algum personagem, até mesmo porque ele pode não sair vivo ao final do episódio. Acostume-se a isso. Tudo muito rápido. Em questão de minutos, a dimensão do caos se instaura nas telas.
Fugindo em parte das hordas de zumbis frequentemente vistas em produções desse gênero, ‘Black Summer’ preza pela aparição de poucos infectados na tela e um cenário predominantemente suburbano. De qualquer forma, a tensão não desaparece. O foco é buscar o suspense em cenários desolados e caóticos entre não infectados e infectados. Num dos episódios, um dos personagens foge de um único contaminado que o persegue incessantemente. Tetos de ônibus, prateleiras de supermercados e residências desertas podem servir de efêmeros esconderijos para os sobreviventes.
Outra característica do seriado é dividir os episódios em pequenos trechos. Como se fossem minicapítulos intitulados. Tais fragmentos narrativos funcionam dentro dos episódios para dar maior ênfase a uma cena específica. Muitas vezes falando da natureza humana ou de algum objeto que será importante para a trama, a ideia é interessante para render maior suspense ou para dar pistas de alguma passagem importante. Uma simples bicicleta que fica agarrada por baixo de um veículo pode desencadear uma cena repleta de suspense ou frenesi.
Porém, os perigos não chegam apenas com os contaminados. Alguns sobreviventes representam o mesmo risco. Saqueadores, egoístas e aproveitadores observam cada pessoa que ainda não foi infectada. O carro que tem combustível e a arma com munição não só representam uma salvação momentânea para quem os possui como também pode ocasionar ira para quem os deseja.
A trama separa os personagens em grupos. Cada qual passando sua adversidade para manter-se vivo. Muitas cenas se encaixam gradativamente para contar como cada um se conhece ou se aproxima do outro. Muitos com a finalidade de reaver a família separada. Não se importando muito em contar o passado de seus personagens, o seriado se preocupa mais em mostrar o pós-epidemia e quer colocar todos os personagens num mesmo nível, não importa se o passado de determinado personagem é maléfico ou não. Num universo caótico e sem esperança de sobrevivência, julgamentos e leis não são cumpridos à risca.
A série peca por trazer ação exagerada e desnecessária entre os não-infectados em alguns episódios, quando, na verdade, nem precisava apelar tanto para isso. Parece querer dar fim a alguns personagens de forma chocante e rápida. Para se ter uma ideia, um dos melhores episódios trava o diálogo de dois homens cujos passados se cruzaram, e, entre sobreviver e remoer os tempos antigos, os dois personagens conseguem manter o espectador preso numa teia de suspense em cada momento da narrativa, sem depender da ação extrema.
Mesmo com nada de novo e muito do próprio gênero reciclado, apesar de apresentar uma ideia interessante aqui e ali, ‘Black Summer’ mantém os 16 episódios funcionando e ainda se garante para uma terceira temporada.
Uma coisa é certa de se afirmar: a série continua no rol das produções que nos fazem refletir, colocando o ser humano diante de possibilidades não tão difíceis de acontecer. O homem diante do caos, do desconhecido e da incerteza de ficar vivo perante a fragilidade da vida e dos perigos de sobreviver num mundo hostil.