O excelente showrunner Damon Lindelof traz às telas toda a magia dos quadrinhos de uma das histórias mais perfeitas e mais bem amarradas do mundo de heróis e vigilantes. O criador de “Lost” e de “The Leftovers” se junta à HBO para realizar seguramente uma fantástica continuação ao final daquela HQ, datada de 1986 e que foi sucesso de vendas no planeta.
A série carrega a alcunha de uma das melhores do ano. O texto criado por Dave Gibbons e Alan Moore tem um desfecho redondo lá em 1986. O destaque agora para o funcionamento extraordinário desta série está no grupo de roteiristas da HBO liderados por Lindelof. Ele mantém a fleuma que o quadrinho tinha de melhor: seu questionamento sobre se emponderar. O que representa ser poderoso e ter a capacidade de decidir os destinos do globo?
Devido a algumas complicações dadas ao final do enredo dos quadrinhos (algo que poderíamos cravar como uma catástrofe ambiental criada por um de nossos vigilantes – sem spoilers) chegamos a um 2019 sem alguns avanços tecnológicos simples – celular não existe. Mas, de maneira paradoxal, a ciência avançou absurdamente no campo da genética.
A história tem como cenário a cidade de Tulsa, em Oklahoma (EUA), passando algumas vezes por locais como o Vietnã. Lindelof nos apresenta novos personagens que são ambíguos e tidos como vilões, além de trazer antigos vigilantes de volta à cena. Aqui a detetive mascarada Angela Abar (uma excelente Regina King, vencedora do Oscar) – que atende por Sister Night – está mergulhada numa investigação minuciosa contra a aparição de um grupo supremacista branco – a 7ª Kavalaria (com K mesmo).
Os membros deste grupo encarnam a máscara do polêmico e insano vigilante – já falecido – Rorschach. Vale dizer que o massacre realizado por supremacistas brancos, em Tulsa, ocorrido no ano de 1921, exibido de maneira bem visceral logo no maravilhoso início da série – contra os negros – é algo real. O mimetismo aqui já pontua o quão profunda seria a abordagem que a HBO reservara para “Watchmen”. Essa luta é angustiante e já estamos infelizmente muito familiarizados com suas formas em nosso dia a dia.
A Guerra Fria que ocupava a Graphic Novel dá lugar ao racismo na HBO. O trabalho de seleção de casting é formidável. O elenco todo se completa, o roteiro faz com que tudo se encaixe perfeitamente e não haja ponta solta. Cada arco desenvolvido aqui tem um encerramento primordial. Dos novos personagens, o Looking Glass de Tim Blake Nelson é maravilhoso. Mesmo com seus traumas do passado, ele se sente confiante com a máscara feita de algo parecido com espelho e faz com que todos que lidem com ele falem a verdade.
Mas o show é mesmo de Regina King e sua Angela Abar: a Sister Night. Ela se apresenta perfeita aqui. Muitas cenas de ação boas. King domina a coreografia em tela e sabe ser forte (afinal possui uma personalidade poderosa). Todo bom show de herói precisa de um ótimo vilão com motivação criativa e o roteiro de “Watchmen” nos brinda com Lady Trieu – a atriz Hong Chau está muito bem, com seus maneirismos calculistas e uma ambição gigantesca. Seu envolvimento com Ozymandias é ainda mais absurdo e intrigante.
Dos personagens vindos dos quadrinhos, temos a volta de Adrian Veidt – o Ozymandias de um ótimo Jeremy Irons – muito bom vê-lo atuando. Seu arco mais uma vez é extremamente polêmico, assim como na Graphic Novel. Contamos também com um retorno sublime da detetive Laurie Blake – a Espectral encorporada pela atriz Jean Smart. Há espaço inclusive para saber mais sobre o Justiça Encapuzada, que aqui opera como um elemento pontualmente importante para a narrativa deste “Watchmen”.
O brilhante é que no início da temporada ficamos um pouco fora do ar sem saber o que o diretor queria do público, mas logo foi possível se observar uma irretocável expansão de universo, se aprofundando em temas controversos, atualizando-os e chegando a um desfecho bem concluído. Coerente. Perfeição. O bom “Watchmen” (2009) do diretor Zack Snyder que foi aos cinemas nem chega perto disso que temos aqui.
Fica a torcida para que a HBO não surja com uma nova temporada, afinal estes 9 episódios serão revisitados como tendo sido a melhor adaptação da obra-prima de Alan Moore e Dave Gibbons, graças ao toque do também genial Damon Lindelof.