BARBIE, Greta Gerwig
8.6Pontuação geral
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8.7

Não é de hoje o interesse que Barbie desperta em grandes estúdios. Como figura representativa de vários signos e estruturas comportamentais e até mesmo sócio-políticas de uma sociedade, ou como forma de combustível da máquina do consumo capitalista, pelas possibilidades de marketing e franchising; seja como for, Barbie é um símbolo.

Adaptar Barbie aos cinemas, fora do universo da animação é realmente um desafio que nem todo mundo estava disposto a assumir, justamente por essa erupção de expectativas.

Explorar o contexto histórico sócio-cultural que envolve Barbie de forma crítica, satirizada, coerente – e efetiva – sem dúvida é uma missão para poucos. Para Greta Gerwig, proposta aceita e concluída.

O nome da diretora alavancou a expectativa para o filme, justamente por conta de sua filmografia. Conhecida por sua direção ousada, criativa, com textos inteligentes, ácidos e certeiros, a diretora assumiu a função sem medo de ser feliz – nem de se posicionar.

Em “Adoráveis Mulheres”, sua adaptação do clássico de Louisa May Alcott, Greta mostrou frescor e inteligência ao imprimir à obra identidade e sagacidade, para além da mera adaptação. Lembro de uma entrevista em que a diretora definiu seu olhar como cubista – no sentido de ampliar sua visão para observar algo sob diferentes ângulos ao mesmo tempo.

É essa linha que segue em Barbie. A todo momento as situações, espaços e personagens são apresentados sob diversos ângulos.

Ao sermos apresentados à Barbielândia, um universo matriarcal regido por uma cristalina sororidade feminina, composto por diversas figuras femininas empoderadas, também somos introduzidos às rachaduras desse sistema utópico, através de personagens como “Barbie Esquisitona” (a Barbie detonada pelo excesso de brincadeira), que não é muito compreendida pelas demais Barbies, mas que se aceita como é.

Margot Robbie interpreta a Barbie Esteriotipada, cujo nome já a define, que em um belo dia de sua vida perfeita na Barbielândia, é assolada por uma crise existencial, com “sintomas fora do padrão”, como pé chato e celulite. Ela descobre que o que está passando vem de sentimentos reverberados pela pessoa que está brincando com ela. Acompanhada por Ken (Ryan Gosling, em ótima e surpreendente performance), ela vem ao “mundo real” para reestabalecer a ordem em Barbielândia.

O “mundo real” é como o nome já diz: real, em que a opressão e o machismo imperam de forma grotesca. Obviamente, Barbie e Ken percebem e reagem diferente às diversas contrariedades do ambiente.

A narrativa flui de forma divertida, com muitas citações à modelos expirados da boneca, propostas que não deram certo, tudo sem perder a oportunidade de lembrar e cutucar o cunho lucrativo da instituição Barbie.

Misturando elementos do gênero musical, com números de canto e dança excepcionais e engraçados, cenários extremamente bem construídos que mexem com a memória afetiva, o filme é um ótimo entretenimento. Divertido, inteligente, ácido, sarcástico e crítico.

Nesse último fica a questão maior, ao meu ver: é possível uma figura sexista, que representa um modelo do inatingível feminino, servir de veículo para discussão do empoderamento? Esse é o paradoxo que Greta Gerwig provoca. E justamente nesse sentido o filme dividirá opiniões. Se por um lado há a necessidade do apontamento, da crítica; por outro, ela mesma sabe que o objeto pelo qual se propõe a fazê-lo não é o mais efetivo para isso. E deixa claro o limite de sua pretensão, ao colocar de forma crítica, Barbies acreditando que a criação delas foi a responsável pelo fim do machismo e o empoderamento das mulheres no mundo real.

Sendo assim, temos que nos atentar para o centro da expectativa sócio-educativa depositada no filme – será nossa, como espectadores, ou da diretora?

A reflexão fica proposta, sem conclusão, mas o que é possível afirmar é que Greta Gerwig – uma diretora mulher – conseguiu deter o domínio de sua criação perante instituições poderosas e detentoras de inúmeros mecanismos de controle – como a própria Mattel – criadora e fabricante da marca Barbie – que é criticada de forma constante durante o filme (executivo da Mattel tentou proibir uma cena), ou ainda, o próprio estúdio, também financiador do projeto.

Ainda dentro deste aspecto, o filme consegue promover a representatividade de corpos diversos, em um discurso direcionado, coerente e efetivo,  pautado na descoberta, reforço e validação da individualização do ser humano como tal – único – com seus ônus e bônus.

Resta saber se “Barbie” conseguirá no mundo real – que atualmente é uma mescla do “mundo real”, fruto da crítica verdadeira feita pela diretora, com a Barbielândia, no que se refere à busca e glamurização pelo perfeito inalcançável (seja intelectual, físico ou financeiro) – atravessar o público de alguma forma a não ser pelo frisson pela cor pink. Veremos.

 

Barbie | Trailer Oficial

Festa gigante e incrível ✅ Coreografia planejada ✅ Novo trailer de #BarbieFilme ✅ 20 de julho, somente nos cinemas. Viver na Barbielândia é ser perfeito e estar no lugar perfeito. A menos que você entre em uma crise existencial total. Ou que você seja um Ken.