(Nos cinemas brasileiros a partir de 3 de Junho e também disponível no Disney Plus com taxa adicional para Acesso Premium)
Olhando para os desenhos clássicos da Disney, a única coisa mais icônica que suas princesas são as suas vilãs. E isso fica ainda mais claro ao comparar as irregulares versões em carne-e-osso das animações tão adoradas. Entre desastres como Aladdin e inutilidades como O Rei Leão, o estúdio consegue produzir alguns resultados interessantes – e Cruella definitivamente fica mais próximo a Malévola, surpreendendo o público ao reescrever a história original sem perder a essência do que conquistou os fãs em primeiro lugar.
Não se sabe ao certo se é um esforço deliberado do estúdio de transformar personagens essencialmente malvadas em pessoas reais, amarguradas por algum trauma causado por outros. Ou, possivelmente, o medo de lançar uma produção protagonizada por uma personagem simplesmente má – afinal, a fórmula exige que o público se identifique com uma mocinha ou mocinho e torça para o seu sucesso. E como torcer para alguém que seria capaz de matar pobres cachorrinhos para vestir suas peles em um casaco? Assim, inverte-se a narrativa e adiciona-se uma nova vilã cruel e sem coração para tomar o lugar da mais nova candidata a heroína. Nada mais Disney do que a história da moça órfã em busca de redenção na luta contra uma bruxa má.
Em Cruella, a pequena Estella perde sua mãe de forma trágica (mantendo o clichê mais conhecido da Disney) e cresce roubando carteiras e cometendo golpes com o sonho de se tornar uma estilista de sucesso. E por um acaso do destino, surge a sua grande oportunidade ao conseguir um emprego com A Baronesa, uma mistura de Anna Wintour com Donatella Versace na pele de uma inspiradíssima Emma Thompson, que acaba roubando as cenas de sua xará Emma Stone. Mas grandes viradas e segredos revelados levam Estella a desenterrar seu alter-ego vingativo Cruella para bater de frente com a chefe fria e calculista.
O filme mostra o poder de uma direção bem-feita: Craig Gillespie foge bastante da plasticidade excessiva e CGI exagerado de tantos outros filmes do estúdio e aposta em uma fotografia muito mais interessante, uma trilha sonora inspiradíssima e cenas impactantes, fazendo de Cruella um filme divertido e marcante. O elenco, muito bem escolhido, é outro grande acerto – e Emma Stone conduz muito bem o papel de protagonista, apesar de escorregar no sotaque britânico um tanto forçado em alguns momentos. O mundo fantasioso e mágico dá lugar a uma Londres real e o enredo se torna mais maduro sem deixar de ser apropriado para os mais jovens.
Apesar da reviravolta em relação ao roteiro original, fãs do desenho animado podem se contentar com diversas referências e uma grande homenagem nas cenas finais do filme – mas estejam preparados para ver Roger, Anitta e os próprios dálmatas renegados a papéis secundários para não atrapalhar a trajetória da nova personagem-título. Outro grande trunfo, porém, reside no claro esforço em tornar o filme mais diverso e menos perdido na ‘branquitude’ muitas vezes vigente.
Apesar de o fim do primeiro ato se tornar uma repetição de O Diabo Veste Prada, o roteiro é bem construído e inspirado o suficiente para encontrar o seu próprio caminho. A cena do show na fonte do Regent’s Park é especialmente incrível. A sequência final peca por certos excessos, mas que de um todo são bem menos numerosos do que se espera de um filme do estúdio do Mickey Mouse.
Cruella é uma grata surpresa no universo das refilmagens – e enquanto os defensores mais ferrenhos do material de origem vão possivelmente torcer o nariz, o filme é um grande acerto e um sopro de originalidade em meio a tanta repetição com o simples objetivo de engordar os cofres do estúdio.