A cerimônia de entrega do Oscar 2022 já se desenhava como uma das mais esquisitas da história desde que anunciaram a supressão de entrega de prêmios mais técnicos da transmissão ao vivo, com algumas escorregadas como esquecer de convidar a protagonista de um dos filmes indicados a melhor filme (Rachel Zegler), mas o resultado final superou as expectativas que já eram péssimas.
Começo pelo que é tradicional: a Academia adota critérios, desde o sistema de votação do melhor filme, passando pelas escolhas que já foram pautas de protestos de cunho principalmente de representatividade racial e de gẽnero, historicamente muito conservador e dotado de diversos vícios a ponto do público em geral já identificar quais filmes são do gênero “Oscar bait” (isca de Oscar) quando são lançados.
Some-se a isso a crise que o cinema vive enquanto forma de entretenimento, desde o surgimento das plataformas de streaming (que imaginavam que só atingiria o mercado de mídias físicas, mas afetou também os cinemas) e que foi muto agravado pela pandemia do coronavírus, que trouxe um baque na indústria digno da Grande Crise do início do século XX, mas que supera apenas a crise financeira, temos uma crise de como consumir filmes – este artigo demonstra bem o que hoje já é chamado “a nova morte do cinema”, mas que pode ser passageiro como as outras crises. Ou não.
O acesso das produções voltadas ao streaming nas grandes premiações foi engolida a seco pela indústria, mas claramente ainda sofre resistência dos membros da Academia e também de outros festivais, mas claramente são estas novas produções destas plataformas que vem trazendo o que há de mais original nas últimas temporadas de premiações que culminam na mais tradicional de todas, o Oscar.
E aí podemos analisar a curadoria dos indicados a melhor filme beste último Oscar, onde 40% dos filmes são remakes literais (“No Ritmo do Coração”, o vencedor desta categoria, “Duna”, que levou seis estatuetas, além de “Amor Sublime Amor” e “Beco do Pesadelo”). Dos 60% restantes, dois podem se encaixar no “Oscar Bait” clássico de biografias (“King Richard” e “Belfast”), e temos as duas produções Netflix (“Ataque dos Cães”, destacado como um dos favoritos pela crítica especializada, e “Não Olhe Para Cima”, o filme mais popular entre os indicados), uma produção estrangeira (o japonẽs também aclamadíssimo da crítica “Drive My Car”) e “Licorice Pizza”, o novo filme de um dos diretores norte-americanos mais cultuados na atualidade e que dividiu opiniões por questões extra-fílmicas.
Quando vemos que 40% das produções indicadas pela indústria são remakes, e pelo menos 60% são materiais que não ousam ou investem na capacidade do cinema em fazer refletir, e o pior, vemos quem foi premiado na maioria e também nas principais categorias (com exceção na que avalia a autoralidade de obras, e talvez por isso nos últimos anos tem sido o refúgio da arte nessas premiações), entendemos qual é a verdadeira crise e porque pouca gente se interessou no Oscar desse ano.
Isso não vem de agora, e provavelmente não deve mudar até a indústria cair no chão e entender o mundo em que vivemos hoje. Não reconhecer as produções das plataformas de streaming é ignorar o público que financia todo o glamour do tapete vermelho, e ver o que a Academia das Artes e Ciências Cinematográficas premiou dentre as péssimas escolhas de indicados é um verdadeiro tapa na cara do espectador, que ironicamente foi bem representado na midiática e patética agressão de Will Smith a um colega de profissão ao vivo, que provavelmente foi o que garantiu que a audiência desta cerimônia tenha sido melhor que anterior. O que não deixa de ser um claro sinal dos novos tempos do entretenimento.